Afluência aos serviços cresceu 31% e está muito próxima dos níveis pré-pandemia. Já não é o inverno a ditar maior procura: maio foi o mês mais crítico com 657 mil casos.
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A procura pelas urgências hospitalares do Serviço Nacional de Saúde cresceu, entre janeiro e julho deste ano, 31% face ao mesmo período do ano passado. Todos os dias, há mais 2300 pessoas a procurar estes serviços do que em 2021, cerca de 40% sem necessidade clínica urgente, criando saturação e dificuldades de resposta aos doentes mais graves.
Os números estão próximos dos valores pré-pandemia, mas em contexto de carência de profissionais de saúde nas urgências e de crescente indisponibilidade de médicos internos para trabalho extraordinário acima das 150 horas anuais (ler texto ao lado), tornam-se mais difíceis de gerir.
Depois de dois anos de redução dos atendimentos nas urgências devido à pandemia covid-19, em 2022 recuperou-se uma trajetória não desejável: nos primeiros sete meses do ano registaram-se 3,56 milhões de episódios, em linha com 2019 (3,69 milhões).
Curioso é que a sazonalidade destes serviços, tradicionalmente com maior procura nos meses de inverno, pode estar a mudar. Este ano, até à data, o mês mais crítico foi maio, que teve um saldo recorde de 657 278 episódios de urgência, segundo informação disponível no Portal do SNS. Seguiu-se março com mais de 567 mil casos.
44% não urgentes
Do total de doentes que foram às urgências entre janeiro e julho deste ano, 44% foram triados com as pulseiras verdes, azuis e brancas da triagem de Manchester, que indicam um nível de prioridade não urgente. Ou seja, quase metade podia ter sido atendido num nível de cuidados menos diferenciado, nomeadamente nos centros de saúde.
Nos hospitais somam-se vozes a pedir medidas efetivas para resolver a procura dos casos não urgentes, que enchem os serviços e comprometem a qualidade e segurança clínicas.
A tutela reconhece que "a redução da utilização inapropriada ou evitável dos serviços de urgência dos hospitais do SNS é fundamental" para a eficiência e melhoria da qualidade na prestação. E tenta recuperar projetos lançados antes da pandemia, com resultados pouco expressivos.
Numa circular normativa, publicada no final de julho, a Administração Central do Sistema de Saúde instou os hospitais a criarem uma espécie de "via verde" de doentes não urgentes para os centros de saúde.
Mas a referenciação para consultas em 24 horas depende da adesão dos doentes que, na maioria das vezes, como já noticiou o JN, recusam abandonar o hospital para não fazerem mais deslocações ou por falta de exames e análises nos centros de saúde. A DGS recomendou um esforço nesse processo para acautelar o inverno.
Reunião
Internos podem ditar fecho de vários serviços
Os médicos que estão a fazer a especialidade de medicina interna reúnem-se hoje, no Porto, com o bastonário da Ordem dos Médicos para discutirem a atual crise da especialidade, numa altura em que 416 de 1061 internos já comunicaram, numa carta aberta dirigida à ministra da Saúde, que estão indisponíveis para realizar mais do que 150 horas extraordinárias por ano. A maioria já ultrapassou em muito aquele número. A medicina interna é a especialidade predominante nas urgências e grande parte das escalas destes serviços são preenchidas com médicos internos. A indisponibilidade para realizar mais horas extraordinárias pode ditar o fecho de várias urgências em todo o país, como já alertaram Ordem e sindicatos médicos. Na semana passada, o bastonário reuniu-se com internos da especialidade de ginecologia/ obstetrícia, que também estão a recusar trabalhar mais de 150 horas extraordinárias por ano. Após o encontro, Miguel Guimarães referiu que há internos da especialidade que acumularam, de janeiro a agosto, mais de 650 horas extra, um valor que classificou como "escravatura".
Circular
Reduzir não urgentes
Para reduzir a utilização inapropriada das urgências, a Administração Central do Sistema de Saúde emitiu há um mês uma circular normativa para os hospitais definirem com os agrupamentos de centros de saúde protocolos de referenciação dos doentes não urgentes (pulseiras verdes, azuis e brancas) para os cuidados primários.
Falta de adesão
Vários hospitais do país já experimentaram projetos de encaminhamento dos doentes não urgentes para os centros de saúde nos últimos anos. Em abril último, o JN noticiou que a maioria desses projetos falhou por falta de adesão dos doentes.