Maioria dos autopsiados "positivos" combinou álcool com estupefacientes. Concentração de substância psicoativa está a aumentar em condutores com canábis.
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As vítimas mortais de acidentes rodoviários com droga no sangue estão a aumentar. Em 2021, das 494 pessoas autopsiadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) para a presença de substâncias psicotrópicas, 76 testaram positivo, cerca de 15% do total. Do ano passado face a 2017 e a 2020, o aumento em 2021 foi de 33% e de 17%, respetivamente. A maioria combinou álcool e droga, seguido do consumo de opiáceos e de canabinoides, derivados da canábis. A principal substância psicoativa, o THC, "está mais potente", diz Mário Dias, assessor do INMLCF.
O especialista explica que, "embora ligeira", a presença de substâncias psicotrópicas no sangue de vítimas mortais em acidentes "não está a diminuir". Os dados da Medicina Legal, enviados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), revelam que subiu também o número de envolvidos ("intervenientes") em sinistros que testaram positivo a drogas. Foram 698 em 2021, mais 117 do que em 2017.
"Nos condutores apanhados com canábis, verifica-se que o teor médio de THC [que produz efeitos no cérebro] é 33% superior ao que se verificava em 2016", diz Mário Dias. O assessor do INMLCF afirma que, mesmo com o "consumo estabilizado" de canábis, a "droga está mais potente", mas não necessariamente mais cara.
É a droga mais usada em associação com o álcool, diz o especialista. Das vítimas autopsiadas em 2021 e que testaram positivo a substâncias psicotrópicas, quase metade (47%) tinha consumido álcool e droga. Os dados incluem condutores, passageiros, peões e outros.
Difícil de legislar
Fonte da Comissão Europeia da área dos Transportes confirma ao JN que a "prevalência de drogas na condução está a aumentar" na União Europeia. Um estudo de fevereiro deste ano de Bruxelas mostra que as drogas com "THC (canábis) e benzodiazepinas [usadas em fármacos para tratar a ansiedade e insónias] são as mais observadas", diz a mesma fonte.
A fiscalização de condutores sob o efeito de estupefacientes e a definição de limites de consumo, como no álcool, são áreas em desenvolvimento em vários países (alguns já têm medidas concretas). Manuel Cardoso, subdiretor geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), admite que seja uma "matéria difícil de legislar".
Em outubro de 2019, o Governou criou um grupo de trabalho para estudar propostas de alterações legislativas com vista a uma maior fiscalização e sancionamento de condutores sob o efeito de drogas (ler ao lado).
"A partir de 0,5, 0,8 ou 1,2 g/l, é claro qual o efeito da quantidade de álcool na capacidade de condução", diz Manuel Cardoso. O mesmo não acontece com as drogas. "Estamos a falar de muitas substâncias com efeitos completamente diferentes", diz um dos responsáveis do SICAD. Há outras particularidades: é possível detetar a presença de canabinoides no sangue "consumidos há 24 ou há 48 horas", acrescenta. Para Manuel Cardoso, ainda "não há evidência científica" que permita definir um valor limite de consumo de droga para estar apto ou não a conduzir.
Também Mário Dias, que foi coordenador nacional do projeto DRUID, um estudo de 2012 sobre a condução sob o efeito de álcool, drogas e medicamentos na Europa, defende que a análise da condução sob o efeito de estupefacientes é "complexa".
"O álcool tem uma eliminação mais constante e previsível. Nas drogas, é mais difícil estabelecer uma ligação entre as concentrações e os efeitos", que podem perdurar várias horas, diz. "Uma diminuição da concentração de droga não significa necessariamente uma redução dos seus efeitos", conclui.
Dados
105 vítimas mortais autopsiadas pelo INMLCF tinham uma taxa de álcool no sangue (TAS) igual ou superior a 1,2 g/l, no ano passado. A taxa é considerada crime.
271 intervenientes, ou seja, pessoas envolvidas em acidentes de viação, em 2021, tinham consumido álcool e droga. Um número que aumentou desde 2017 (207).