A entrada de mais recém-especialistas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode ser uma das razões que estão a afastar os médicos aposentados do regresso ao ativo.
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Em 2018, havia 252 profissionais aposentados nestas condições. Este ano, até setembro, eram 232. De acordo com o Relatório Social do Ministério da Saúde e do SNS, foi nos anos de 2016 e 2017 que mais médicos quiseram regressar. Em 2016, foram 301 e, em 2017, 344.
Dos 232 contratados nos primeiros nove meses do ano, 128 têm a especialidade em medicina geral e familiar (MGF). Os restantes são especializados em áreas hospitalares.
Na opinião de Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), esta diminuição pode ser explicada, na área dos cuidados de saúde primários, pela "renovação geracional". Ou seja, como estão a entrar clínicos mais jovens, deixa de haver necessidade de se recorrer aos aposentados. No entanto, frisa o médico, "esses colegas têm sido fundamentais e têm dado uma ajuda importante às equipas". Até porque, prossegue, "em algumas unidades de saúde, as faltas são significativas".
654 mil sem médico
O balanço entre entradas e saídas nos cuidados primários de saúde ainda deixa muitos utentes sem médico de família. Em novembro, mostram os dados do Portal do SNS, o número de utentes inscritos sem clínico atribuído ultrapassava os 654 mil.
Segundo o presidente da APMGF, apesar de as novas entradas poderem vir a reduzir este número de utentes sem médico, dentro de três a quatro anos, com as previsões de aposentação, o recurso a clínicos aposentados para voltar ao ativo deverá aumentar.
No entender de Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, sem "uma avaliação prévia", não é possível determinar as causas que estão a afastar os médicos aposentados do SNS. Mas os próximos anos, com as saídas dos mais velhos, serão críticos porque a situação "não foi atempadamente corrigida", com o "planeamento dos recursos humanos".
O principal problema não é a falta de médicos formados, sublinha o bastonário. Mas, sim, a falta de motivação destes profissionais para permanecerem no SNS, principalmente, nas zonas mais carenciadas. "As pessoas não podem ser obrigadas a trabalhar num sítio. Perante o retrato atual, preferem tomar outras opções", defende.
Júlia Gouveia, de 65 anos e aposentada desde 2015, regressou poucos meses depois ao ativo no Centro de Saúde de Almeida, na Guarda. Sentia falta do contacto com doentes e colegas. Neste centro de saúde, conta, a maioria dos médicos é da sua geração. E quando estes também se aposentarem, caso não tenham vontade de continuar, vai ser difícil assegurar os cuidados à população "muito idosa e muito carenciada".
Sobre a razão que pode levar os colegas aposentados a não quererem regressar, a médica considera que "as pessoas estão mais desmotivadas". Principalmente porque a carga burocrática exigida aos médicos tem aumentado nos últimos anos. Além disso, o bom entendimento nas equipas também é determinante.
Salário acumula com pensão
Em 2010, a então ministra da Saúde, Ana Jorge, permitiu aos médicos aposentados voltarem ao ativo. O regime era excecional e vigorava por três anos. Em 2013, já com Paulo Macedo, a medida é prolongada e desde então tem estado prevista no Orçamento do Estado. A redução de 40 para 20 horas semanais e a possibilidade de os médicos acumularem parte da pensão com 75% do vencimento, em 2015, tornou o regime mais atrativo.