Alberto Amaral esteve à frente da Agência de Avaliação e de Acreditação do Ensino Superior (A3ES) desde a sua fundação em 2008 até esta sexta-feira, dia 17. Antes de passar a pasta a João Guerreiro, o antigo reitor da Universidade do Porto alertou, numa entrevista ao JN, para a falta de equidade no acesso ao Ensino Superior e que o fim do numerus clausus pode matar as instituições do Interior.
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Quantas instituições e cursos a A3ES fechou desde 2009?
Foram encerradas vinte e uma instituições (todas do ensino privado) e dois mil cursos.
Quais os motivos?
A falta de qualidade era naturalmente a razão do enceramento. No caso das instituições eram, em regra, situações de instituições com um número demasiado pequeno de alunos, muitas vezes inferior a uma centena. Ora com este número de alunos não é possível assegurar um corpo docente estável, proliferando os recibos verdes. No caso dos cursos, de forma genérica as principais razões eram a falta de professores qualificados, e a baixa percentagem de docentes doutorados, além de uma fraca componente de investigação. Mas deve salientar-se que mais de 90% do encerramento dos cursos resultou da iniciativa das próprias instituições. O Conselho da Administração da Agência teve longas reuniões com as instituições em que discutiu as fragilidades de alguns cursos e as instituições interiorizaram a necessidade de corrigir muitas situações. Assim também se respeitou a autonomia institucional.
O sistema tem agora mais qualidade?
Sim. Os números falam por si.
Medicina na Católica aprovado por um ano
Em setembro foi aprovado o primeiro curso de Medicina numa instituição privada. O que mudou em nove meses para a candidatura ser aceite?
A primeira candidatura não foi acreditada pois teve dois pareceres negativos (dos peritos e da Ordem dos Médicos). Na segunda candidatura a instituição alterou substancialmente a proposta inicial. Por exemplo, ao nível do corpo docente e no número de parcerias com hospitais. Neste caso o parecer dos peritos foi positivo, mas condicionado. E a Ordem dos Médicos deu também um parecer condicionado dizendo "as recomendações sugeridas neste parecer devem ser adotadas pela UCP, para que a proposta possa estar em condições de poder oferecer um ciclo de estudos integrado de Mestrado em Medicina com a qualidade aceitável e exigível a nível nacional". Por isso, a proposta foi acreditada devendo no prazo fixado cumprir as condições impostas, incluindo as da Ordem dos Médicos. Por exemplo, uma das questões que determinou a acreditação condicional do curso tem a ver com a incógnita quanto à manutenção da Parceria Público-Privado do Beatriz Angelo.
Isso significa que se a parceria for extinta o curso pode fechar?
Sim, se a parceria for extinta e não for substituída por outra equivalente pode fechar o curso.
Foi chamado pela primeira vez ao Parlamento após o chumbo deste curso na Católica. Considera que os deputados cederam a interesses?
(Risos) Há forças ocultas que movem estes processos.
Alguma vez sentiu pressões?
Sim, claro, sempre houve pressões ao longo destes 12 anos, principalmente no início, mas depois as pessoas perceberam que era inútil.
Do Governo?
Não, o Governo nunca interveio. Mariano Gago impôs-me três condições aquando da criação da A3ES: coragem para tomar decisões difíceis, garantir a independência da A3ES mesmo em relação ao MCTES e alcançar para a agência prestígio internacional através da investigação produzida.
"Alunos não são estúpidos"
Preocupa-o haver tão poucos candidatos à docência no ensino?
Sim preocupa. Temos de perceber que os alunos não são estúpidos. Tem-se verificado que milhares de professores ficarem de fora dos concursos, anos a fio, ou foram contratados sem estabilidade, o que não é um incentivo para atrair alunos. Por exemplo, a seguir à crise [troika] houve cursos que desapareceram de instituições no Interior devido a não oferecerem perspetivas de emprego. Claro que isto vai criar um problema pois muitos professores vão aposentar-se por limite de idade e pode não haver novos professores para os substituir. Foi o que aconteceu em Medicina, onde durante demasiados anos houve um número de vagas demasiado baixo, o que veio depois criar uma crise de falta de médicos. Ninguém se lembrou que formar um médico demora 10 a 11 anos com os internatos, pelo que qualquer aumento de alunos no primeiro ano não terá efeito imediato.
As instituições devem reorganizar a oferta ou a atratividade terá de ser pela carreira?
Em resultado de diversos inquéritos que temos feito verifico que os alunos estão cada vez mais atentos à empregabilidade. A Engenharia Civil é outro caso de fuga que esvaziou e fechou cursos após a crise no setor da construção na sequência da intervenção da troika. Curiosamente isso não aconteceu na Arquitetura. No caso da Engenharia Civil, a esmagadora maioria dos cursos são públicos e a crise teve um efeito imediato. No caso da Arquitetura havia mais alunos no setor privado do que no público e o que aconteceu foi que as grandes perdas de alunos foram no privado, e o público saiu mais ou menos incólume. Pode dizer-se que o setor público foi protegido pela gordura que foi cortada nas privadas. O mesmo aconteceu com a Psicologia.
Regime de acesso não deve ser revisto
Concorda com o atual regime de acesso ao Ensino Superior?
É complicado alterar o regime de acesso, eliminando o controle dos exames exteriores às instituições onde os alunos estão matriculados. Infelizmente há instituições que inflacionam as notas dos alunos, quer no público, quer o privado. Haver uma forma de acesso sem este tipo de controle é perigoso. Veja o caso dos concursos para os Maiores de 23 anos, em que as provas de acesso são organizadas por cada instituição e onde as taxas de aprovação são excecionalmente altas. Nos primeiros anos do novo regime de acesso para maiores de 23 anos houve instituições em que quase 80% dos novos alunos eram maiores de 23 anos. E nos anos 70, quando não havia nota mínima nas provas de acesso houve instituições que aceitaram estudantes com zero nas provas.
Baixam a fasquia para conseguirem alunos?
Sim, é uma questão de sobrevivência. Quanto mais dificuldade uma instituição tem em recrutar alunos tradicionais mais facilita na procura de alunos cujo recrutamento apenas depende de exames feitos pela instituição.
E num contexto de alargamento o numerus clausus deve ser revisto?
Acabar com o numerus clausus matava as instituições do Interior. Houve um ano em que cruzámos os dados da origem dos alunos com os da primeira prioridade de colocação: no distrito da Guarda, por exemplo, 90% dos alunos que terminaram o Secundário escolheram em primeira prioridade instituições fora do distrito. Se por exemplo a Universidade do Porto aumentasse 100% as vagas iria secar tudo à sua olta. No entanto, seria possível experimentar o fim do numerus clausus em áreas de menor procura como a Educação.
Próximos desafios
Temos um sistema muito conservador e elitista?
Conservador sim. Há também uma enorme falta de equidade no acesso ao Ensino Superior. Quando olhamos para a percentagem de alunos com bolsa, por exemplo, Medicina tem entre 10 a 12%, Enfermagem, 30 a 40%. O acesso depende muito do nível socioeconómico das famílias e nenhum país do mundo resolveu ainda este problema. Mesmo em países como os Estados Unidos e o Brasil, onde foram utilizadas políticas de ação afirmativa. O problema é que o Ensino Superior é um bem posicional - dá posição e os bens posicionais tendem a ser capturados pelas famílias de maiores recursos. A entrada nestes cursos exige notas muito altas e, quanto mais alta for a nota de entrada, maior é, em geral, a falta de equidade no acesso. Os alunos de maiores recursos podem frequentar os melhores colégios (ou os que mais inflacionam as notas), podem ter explicadores, o nível cultural familiar é em regra mais elevado, etc.
O subfinanciamento limita o crescimento das instituições?
Claro que sim. Tenho um colega holandês que diz que não se consegue comprar um ferrari com o dinheiro de um fiat 600. A verba para investigação em Cambridge deve ser superior à dotação em Portugal. Mas fazemos maravilhas com o pouco que temos.
Próximos desafios da A3ES?
É preciso infletir os objetivos da avaliação do sistema. Já não é tanto a limpeza do sistema, mas a melhoria da qualidade o ensino - como se aumenta o número de alunos, como se ensina melhor, como se melhora a carreira docente, como se introduzem inovações pedagógicas, como se evita o abandono escolar.