
Acesso à habitação por parte dos jovens degradou-se "significativamente"
Foto: Pedro Correia/Arquivo
O Índice de Justiça Intergeracional (IJI) agravou-se no período pós-pandemia, sobretudo devido à deterioração dos indicadores de habitação e saúde, revelam os dados divulgados pela equipa de investigadores que desenvolve o projeto.
O IJI caiu de 0,50 em 2021 para 0,43 em 2023, numa escala de zero a um, de acordo com o relatório "Que Futuro Deixamos às Próximas Gerações?", elaborado pelo "Institute of Public Policy", com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
"A principal diferença [face ao estudo anterior] foi que, enquanto até 2020 havia uma melhoria na justiça intergeracional, de 2020 a 2023 o índice piora", disse à agência Lusa o coordenador do trabalho, Paulo Trigo Pereira.
A análise dos dados, com a qual se pretende contribuir para melhorar as políticas públicas, contempla seis áreas: ambiente, saúde, mercado de trabalho, habitação, condições de vida e finanças públicas.
De acordo com o coordenador, as dimensões da saúde e da habitação "degradaram-se significativamente".
O indicador relativo à habitação, que em 2019 se situava em 0,46, foi calculado em 0,23 em 2023, sendo que a aproximação à unidade (1) significa mais justiça intergeracional. Quanto mais perto de zero, menor a justiça para "as gerações jovens e vindouras", explicou Paulo Trigo Pereira.
Para avaliar a situação da habitação, os especialistas ponderaram fatores como o esforço para aceder a uma casa, a sobrecarga das despesas, a autonomia e as condições de habitação.
Paulo Trigo Pereira destacou que Portugal é dos países com maior percentagem de jovens até aos 35 anos a viverem em casa dos pais. "Isto tem vindo sempre a aumentar e este indicador é um dos responsáveis pela queda do índice da habitação. Outro responsável é a acessibilidade", acrescentou, referindo-se à relação entre preço e rendimento que pesa nesta equação. "Penso que existe um certo fracasso nas políticas de habitação" lamentou Paulo Trigo Pereira.
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Construção não é solução
Questionado pela Lusa, o economista considerou que as políticas dos anteriores governos e do atual não respondem de forma eficaz ao problema. "E não estão a compreender a gravidade, do ponto de vista intergeracional, do problema da habitação", acentuou.
Na opinião de Paulo Trigo Pereira, a resposta a um dos "maiores problemas da sociedade portuguesa" implicaria uma coordenação de várias áreas, por forma a conseguir aumentar a oferta, acabar com os vistos Gold, que estão a "inflacionar o mercado especulativo", "restringir fortemente" o Alojamento Local em zonas onde é predominante, e dinamizar o mercado de arrendamento de longa duração, com mais intensidade.
Para Paulo Trigo Pereira, o problema da habitação não se resolve com a construção de 50 mil ou 70 mil casas. "Não basta aumentar a oferta. Há um conjunto de medidas que deviam ser coerentes e todas apontar para o mesmo sentido e não em sentidos contrários, que é o que está a acontecer", sustentou o professor universitário que coordenou o estudo. "Desde 2016, a acessibilidade tem-se degradado", constatou.
"Retrocesso estrutural"
Na área da saúde defendeu também a necessidade de políticas que permitam melhorar a situação, como mais investimento na prevenção e uma avaliação dos efeitos das políticas a longo prazo, assim como a garantia de um melhor acesso. "O acesso aos cuidados de saúde está a degradar-se", alertou.
No relatório, sublinha-se que Portugal enfrenta "um retrocesso estrutural na equidade entre gerações".
Na saúde, há dois fatores que explicam a queda do índice, de 0,57 em 2021, para 0,35 em 2023: o acesso aos cuidados de saúde (que depende da despesa das famílias e das necessidades não satisfeitas), com evolução negativa neste período, e também a orientação do sistema de saúde, que "diminuiu significativamente" a despesa com prevenção.
Os relatores registaram igualmente um acréscimo no consumo de ansiolíticos e antidepressivos, sinalizando "um agravamento do bem-estar físico e psicológico das novas gerações".
O projeto "Um Índice de Justiça Intergeracional para Portugal" foi lançado em 2023, com a publicação do primeiro estudo.
"Se no anterior relatório, com dados até 2020, havia uma tendência de melhoria da justiça intergeracional em Portugal, o que se observa nos últimos anos, e em particular em 2022 e 2023, é um movimento no sentido contrário", lê-se no documento agora divulgado.
Num relatório com cerca de 70 páginas, em que são apresentadas várias recomendações, os autores advertem que os passivos da Segurança Social continuam a aumentar desde 2016, "reforçando as perspetivas de uma quebra significativa no nível de vida das gerações que se reformarão entre 2060 e 2070".
