No ano passado, os hospitais privados fizeram mais consultas, mais cirurgias, atenderam mais pessoas nas urgências. Bateram recordes de procura e de atividade, mas o setor está cada vez mais distante do Estado. Há apenas uma parceria público-privada que resiste e as cirurgias Sigic caíram 35% nos últimos dois anos.
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O balanço da atividade dos hospitais privados foi feito, esta tarde de quarta-feira, por Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP).
Os 129 hospitais privados que existem no país realizaram mais de oito milhões de consultas externas (mais 7,8% face a 2021), mais de 1,3 milhões de episódios de urgência (mais 37%) e cerca de 235 mil cirurgias (mais 6,9%).
Dentro das cirurgias, cerca de 11500 foram realizadas no âmbito do Sigic, ou seja, através de um vale cirúrgico emitido pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) quando são ultrapassados os tempos máximos de resposta garantidos.
As cirurgias Sigic, referiu Óscar Gaspar, tem vindo a perder peso nos últimos anos. Registaram uma quebra de 22%, em 2022, e no acumulado dos últimos dois anos, a diminuição foi de 35%. "O Estado está a recorrer menos aos hospitais privados", concluiu o responsável.
"Porque o problema de acesso existe", o presidente da APHP diz que o setor está disponível para contribuir para uma melhor resposta. "Podemos dar um contributo acrescido" na formação dos médicos, exemplificou, ou contribuir para reduzir o número de utentes sem médico de família. "Deve haver uma junção de esforços para aproveitamento de todos os recursos do país", defendeu Óscar Gaspar.
Cooperação público-privada
Uma ideia corroborada por Hans Martens, especialista dinamarquês em sistemas de saúde, também presente na conferência de imprensa. O responsável referiu a enorme pressão que os sistemas de saúde europeus vão enfrentar face ao envelhecimento demográfico - em 2020, 5,8 milhões de europeus tinham mais de 85 anos, mas em 2040 vão ser 9,2 milhões - e ao consequente aumento das doenças, e à conjuntura económica desfavorável. E alertou que nos países cujos sistemas de saúde estão assentes maioritariamente em serviços públicos - como o Reino Unido e a Dinamarca - já há enormes dificuldades para responder à procura e agravam-se as desigualdades no acesso.
Defendendo que o acesso deve ser universal, Hans Martens entende que a "cooperação público-privada" é uma forma de reduzir as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde.
Aproveitando o mote e lembrando números recentes sobre o défice do SNS, Óscar Gaspar criticou o fim do modelo PPP (parceria público-privada) na gestão clínica dos hospitais que, segundo relatórios de várias entidades, permitiu "poupar milhões de euros ao Estado". Só o Hospital de Cascais mantém o regime de PPP. Nos restantes, que reverteram para a esfera pública, há notícias de "degradação do serviço e da capacidade assistencial".
Um terço da capacidade instalada para exames
Referindo que 3,3 milhões de portugueses têm seguro de saúde, um número que tem vindo a aumentar a cada ano, o presidente da APHP referiu que "os hospitais privados são uma oferta complementar ao SNS e não concorrencial". E sugeriu uma discussão sobre a necessidade de aumentar as coberturas das apólices que, em regra, não cobrem os tratamentos mais caros, como é o caso dos oncológicos. "Até que ponto não deveríamos pugnar por seguros de saúde que cobrem tudo?", referiu, já depois de mencionar que os hospitais privados estão cada vez mais diferenciados.
Com um investimento de 142 milhões de euros em infraestruturas e em tecnologia, como equipamentos de diagnóstico e terapêutica, o setor privado "detém um terço da capacidade instalada no país" para estes exames, cuja produção também cresceu. Face a 2021, os hospitais fizeram mais 11% de Rx e mais 4% de ecografias. As TAC aumentaram 10% e as ressonâncias magnéticas 11,4%.
Mais de 13 mil partos
Num país com poucos nascimentos e num ano marcado por muitas dificuldades nos blocos de parto do SNS, nomeadamente na região de Lisboa e Vale do Tejo, os hospitais privados realizaram 13 197 partos, mais 3,4% do que no período homólogo.
"Estamos a crescer em partos desde 2019", realçou o líder da APHP. Os números, obtidos através de um inquérito aos grupos privados em janeiro passado, não permitem, no entanto, perceber em que regiões do país houve crescimento dos partos.
Acesso às maternidades baixa sem privados na equação
Reagindo ao relatório, publicado esta semana, pela Entidade Reguladora da Saúde, que dá conta da existência de pelo menos três maternidades privadas que fizeram, em 2021, 100% dos partos por cesariana e algumas que tiveram menos de 100 partos por ano, Óscar Gaspar apontou as conclusões da reguladora sobre a as unidades privadas e a acessibilidade das utentes. Com oferta restrita ao SNS, o "acesso alto" a locais de nascimento cai de 64% para 30%, sublinhou.
Ainda sobre maternidades, e a propósito de declarações da tutela e do diretor - executivo do SNS sobre a criação de regras de qualidade e segurança iguais para os setores público, privado e social, o presidente da APHP voltou a apelar às autoridades de Saúde para que "não inventem problemas onde eles não existem". "Não conheço nenhum relatório que releve questões sistémicas ou um padrão de problemas nas maternidades privadas", sustentou, assegurando que estas unidades são licenciadas e funcionam de acordo com esses licenciamentos.