O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas, disse, esta terça-feira, na apresentação do relatório do grupo Vita, que as indemnizações fazem-se “dentro do âmbito jurídico”, mas a Igreja está a “procurar” uma forma de o fazer em “casos concretos”.
Corpo do artigo
O Vita revelou que, em seis meses, ouviu 64 vítimas de abusos sexuais e que quatro indicaram vontade de ser indemnizadas. Reportou ainda 45 casos às estruturas eclesiásticas e 16 ao Ministério Público. Em janeiro, o bispo de Leiria-Fátima vai encontrar- se com vítimas.
O Grupo Vita enviou 45 situações de abusos sexuais às estruturas eclesiásticas, das quais 27 às Comissões Diocesanas e 16 ao Ministério Público. Segundo o relatório da atividade desenvolvida no último meio ano pela estrutura criada pela CEP para apoiar vítimas de abusos, a maioria dos casos reportados às Comissões Diocesanas aconteceram no Porto, Braga e Lisboa, com cinco sinalizações a cada uma destas dioceses.
Vinte vítimas estão a ser acompanhadas, 18 por psicólogos e duas por psiquiatras, consultas custeadas pela CEP, mas a ajuda profissional ainda não chega a todo o país. "Já aconteceu alguém precisar de uma consulta numa zona e não termos ninguém aí, pedimos às comissões diocesanas para ajudarem a pensar em alternativas", referiu a coordenadora do grupo Vita, Rute Agulhas.
De acordo com o documento, a maior parte dos abusos no contexto da Igreja aconteceram sobretudo no confessionário, seguindo-se a sacristia. O grupo apresentou também um manual para as estruturas eclesiásticas alterarem procedimentos e, entre as recomendações, sugere que as confissões passem a ser feitas em "gabinetes com janelas ou portas de vidro".
Encontro com vítimas
Questionado sobre se a Igreja portuguesa pondera fazer o mesmo que outros países que pagaram indemnizações sem decisão judicial, Ornelas disse: "estamos a procurar critérios para vermos como podemos ver essas coisas", mas só "com pessoas concretas".
O presidente da CEP confirmou ainda que vai encontrar-se com as vítimas de abusos em janeiro, depois de ter recebido um pedido da associação Coração Silenciado, que representa as vítimas de abusos sexuais na Igreja portuguesa. Ornelas disse ainda que a Igreja "já está a mudar" e "não há retorno".
Vítima de dois padres diferentes
Questionado sobre os panfletos (a incentivar à denúncia das vítimas) que ainda faltam em zonas mais recônditas do país, José Ornelas disse que "não se trata de uma questão de ter cartazes ou não, mas de uma cultura subjacente".
"As pessoas com uma formação superior mais facilmente lidam com estes sentimentos. As pessoas nos ambientes rurais têm dificuldade de sair, abrir-se e de ter coragem de falar de si próprias neste contexto. O caminho não é simplesmente uma questão de cartazes", considerou.
Rute Agulhas avançou ainda que estão a ser realizados dois estudos académicos, no âmbito do trabalho do grupo Vita, um "para perceber melhor as representações da sexualidade, a vivência da castidade e do celibato em padres, seminaristas e diáconos" e outro "para perceber melhor as atitudes e crenças de catequistas e professores de religião e moral sobre a sexualidade e a prática da violência sexual", que ajudarão a compreender melhor esta realidade.
Na maioria dos casos a pessoa que cometeu o abuso é um sacerdote, tendo apenas quatro vítimas referido ser um leigo (catequista, seminarista). As queixas por vezes referem-se a mais do que um agressor. "Temos algumas situações em que a pessoa foi vítima de dois padres diferentes. Até temos uma vítima que se desdobrou em três sinalizações", explicou, justificando assim a diferença entre o número de casos enviados às estruturas eclesiásticas (45) e o número de vítimas consideradas pelo Vita (39).