O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o Cardeal Patriarca de Lisboa e a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica vão ser ouvidos, esta terça-feira à tarde, na Assembleia da República. É uma audição inédita com os deputados a procurarem fazer o ponto de situação da atuação da Igreja no combate aos abusos sexuais de menores.
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A pedido do PS, do PSD e do Chega, a equipa de Pedro Strecht vai responder às questões dos deputados sobre o conteúdo do relatório final "Quebrar o Silêncio", na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Mais tarde, por requerimento do Chega, será D. Manuel Clemente a dar conta da "perspetiva da Igreja Católica sobre a anunciada mudança de paradigma". Sobre o mesmo tema, mas a pedido do PS e do Chega, D. José Ornelas, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), será ouvido na mesma comissão.
A ida à Assembleia da República foi aceite por D. Manuel Clemente e por D. José Ornelas que, enquanto presidente da CEP, agradeceu a iniciativa. Contudo o facto do Cardeal Patriarca de Lisboa ser "chamado" ao Parlamento, através de um requerimento do Chega, foi muito mal recebido por alguns católicos. É a primeira vez que o Patriarca é, de acordo com os críticos, "intimado a depor". Nas redes sociais, os católicos que se dizem próximos de André Ventura não perdoam "o vexame de chamar o cardeal à Assembleia como se fosse um criminoso".
Na apresentação do relatório, a Comissão Independente anunciou a validação de 512 testemunhos de abusos, apontando para, pelo menos, 4815 vítimas. Entre as recomendações, estava a criação de um novo organismo para continuar a receber denuncias e para apoiar as vítimas. Uma sugestão que a CEP aceitou, constituindo um grupo operativo VITA, liderado pela psicologa Rute Agulhas, que será responsável pelo acolhimento e acompanhamento das vítimas de abusos na Igreja.
D. José Ornelas mostrou-se "satisfeito" pelo facto de o Parlamento ter decidido ouvir aos bispos: "Da parte da CEP, estamos totalmente disponíveis para prestar todas as informações e esclarecimentos necessários a propósito das ações que estamos a realizar".
O que se sabe sobre os abusos sexuais na Igreja e o que foi feito
Quantas denúncias recebeu a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal?
Recebeu 564 testemunhos, mas só validou 512 testemunhos apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4815.
Quantos padres foram denunciados?
Inicialmente, alguns elementos da comissão independente falavam em mais de cem padres no ativo. A lista entregue a D. José Ornelas, e posteriormente os bispos portugueses, continha 98 nomes. De acordo com as informações divulgadas pelas dioceses, 93 desses nomes eram, efetivamente, de sacerdotes e cinco de leigos. Trinta e seis pessoas referidas já morreram.
E quantos foram afastados preventivamente?
Foram suspensos 13 sacerdotes. Lisboa suspendeu quatro, o Porto três, Angra dois, e Braga, Guarda e Vila Real afastaram um em cada diocese. A diocese de Leiria-Fátima suspendeu um leigo. Contam-se, ainda, 13 sacerdotes que já tinham sido alvo de investigações, tendo sido arquivadas por prescrição ou por falta de provas.
Qual é a situação nos institutos religiosos?
A Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) recebeu uma lista com 17 nomes de alegados abusadores sexuais. Dos 17 alegados abusadores em Institutos de Vida Consagrada, 10 já morreram, dois estão no ativo, quatro já não estão ativos nas congregações (dos quais dois não estão vinculados ao instituto) e um é desconhecido.
A que Congregações pertencem os alegados abusadores?
Os dois elementos referidos pelas vítimas que ainda estão no ativo pertencem às Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima e à Ordem dos Frades Menores (Capuchinhos). Há, ainda, referência à Ordem dos Frades Menores (Franciscanos) com dois elementos falecidos e um que já não está no ativo; aos Irmãos Maristas, com dois nomes de pessoas que já não estão vinculadas ao instituto; aos Missionários da Consolata, com um elemento que já morreu; e à Ordem Hospitaleira de São João de Deus, com um elemento que já não está a trabalhar. A lista inclui, ainda, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus (Jesuítas) com quatro elementos já falecidos, as Religiosas do Coração de Maria com referência a um colaborador leigo falecido, os Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) também com um sacerdote que já morreu e os Salesianos com um elemento falecido e um desconhecido.
O que foi recomendado à Igreja pela comissão independente?
Recomendou a criação de uma nova "comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema", o que já foi feito. Recomendou ainda, entre outras, "o reconhecimento pela Igreja da existência e extensão do problema e o compromisso na sua adequada prevenção futura", nomeadamente através do "cumprimento do conceito de "tolerância zero", proposto pelo Papa Francisco". O "dever moral de denúncia por parte da Igreja e a colaboração com o Ministério Público, em casos de alegados crimes de abuso sexual", deve ser adoptado, bem como o pedido "efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização".
O que é o Grupo Vita?
É uma estrutura, liderada pela psicóloga Rute Agulhas, que vai encaminhar as denúncias de abusos de padres sobre menores ao Ministério Público e para os responsáveis da Igreja Católica. É a primeira recomendação da comissão independente materializada pela Conferência Episcopal Portuguesa. Tem por função acompanhar as vítimas de abuso na Igreja, assim como vai acompanhar, psicologicamente, padres que tenham sido suspensos da Igreja por suspeitas de abusos.