Imigrantes pagam quantias avultadas para chegar e andam com cobertores e almofadas de terra em terra.
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Gursehajpal Singh, natural da India, emigrou para Portugal há cerca de ano e meio em busca de uma vida melhor. Nos últimos tempos, trabalhou na apanha da uva em Leiria. Soube que precisam de gente em Odemira e, no início desta semana, não hesitou em meter-se dentro de um autocarro. Partiu sem saber quanto iria ganhar ou onde iria dormir. Só tinha a promessa de ver os seus impostos pagos. Como ele, muitos mais imigrantes andam pelo país atrás de promessas e sem garantias.
"Eu trabalho para viver. Sem trabalho, como é que as pessoas pagam os impostos ao Governo? E, se não pagarem, como é que obtêm a residência temporária em Portugal?". Na esperança de conseguirem residência temporária, Gursehajpal Singh e o colega embarcaram no autocarro 78, em Sete Rios. São muitos os que lutam por autorizações de residência, números de contribuinte e segurança social. Pagam balúrdios, ainda no seu país, a empresas de recrutamento, que lhes vendem promessas de emprego. Para ele e o seu colega, a estadia em Odemira foi curta: recusaram ficar devido ao surto de covid e regressaram no dia a seguir a Lisboa.
O terminal rodoviário de Sete Rios é ponto de partida para os provenientes da Índia, Nepal, Bangladesh, Indonésia. Ali, ninguém estranha a sua presença. Os motoristas confirmam a movimentação de pessoas rumo a Odemira, nem a cerca sanitária os afastou. É o caso de Gagan Deep, que partiu com o sonho de conseguir esticar os 650 euros acordados no contrato. Foi sem saber onde iria ficar.
Faisad Ohmed e Mehedi Hasan, com 25 e 27 anos, naturais do Bangladesh, são formados em Contabilidade e Ciência Política, respetivamente. Chegaram há ano e meio. Primeiro, tiveram de conseguir um "work permit". Depois foram à Índia pedir o visto de imigração. Voltaram para o Bangladesh e, só depois, puderam viajar. Trabalharam alguns meses em Beja, na apanha da fruta, nove a dez horas por dia. Os contratos são de seis meses, mas "se deres o teu melhor, aumentam", contam, sempre num fraco inglês, já português nada sabem.
Queixam-se das condições de habitação e do salário, apertado para pagar renda da casa, necessidades básicas e ainda ajudar a família quando possível. Confirmam que certas casas em Beja são detidas por indianos e nepaleses e albergam demasiadas pessoas para a capacidade.
Takan Kummer, natural da Índia, trabalha na agricultura há uns anos. O seu destino foi Tavira, para onde se dirigiu sem saber onde iria dormir. Está em Portugal desde 2018. Pagou entre 10 mil e 20 mil euros e veio através de um visto de imigração, contou. Durante dois anos, trabalhou em Beja a plantar oliveiras. Desses tempos recorda o "really hard working" (trabalho extremamente árduo).
O JN identificou uma das empresas que fazem mediação de mão de obra barata para diversos pontos do país. Motoristas confirmam que, no embarque, é comum estes trabalhadores serem acompanhados por uma ou duas pessoas até ao autocarro. "Pagam-lhes os bilhetes, veem se está tudo bem e depois dão-lhes qualquer coisa em notas". "O movimento é normalíssimo todos os dias. Vêm uns para cima, vão outros para baixo. Os que vieram para Lisboa foram para Aveiro, outros que vinham de Aveiro vão para Odemira", descreveu um condutor.
Além das muitas malas que levam, há um denominador comum. Quase todos carregam sacos de plástico com almofadas e cobertores: o seu garante mínimo de algum conforto.
SEF confirma tráfico de seres humanos
Ao JN, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deu conta "que o fenómeno do tráfico de seres humanos tem sido particularmente visível no recrutamento de trabalhadores estrangeiros para prestação de trabalho em campanhas agrícolas sazonais". O SEF confirma que "são-lhes exigidas avultadas quantias, a troco de documentação diversa, nomeadamente contratos de trabalho e obtenção de número de contribuinte e de utente da Segurança Social, bem como para custos de acomodação, alimentação e transporte, por descontos abusivos nos vencimentos". Desde 2018, foram realizadas 112 ações de fiscalização em Odemira, estando a correr 32 inquéritos- -crime em diversas comarcas do Alentejo por tráfico de seres humanos, tendo 37 pessoas e 14 empresas sido constituídas arguidas. O JN confrontou vários ministérios com o facto de este recrutamento continuar a decorrer, mas não obteve resposta.