SNS tem 95 pessoas em lista de espera para cirurgia que, em muitos casos, obriga a terapia da fala. Falta de acompanhamento impede que famílias tirem o melhor partido desta tecnologia.
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Desde o ano 2000, 2371 portugueses, 38% dos quais crianças, já foram submetidos à cirurgia de implante coclear através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), revelou ao JN o Ministério da Saúde.
O implante coclear permite a pessoas com surdez severa e profunda voltar a ouvir ou mesmo ouvir pela primeira vez. Mas o caminho nem sempre é fácil. Há queixas de falta de informação e de acompanhamento. No final todos os utilizadores garantem: o implante coclear mudou-lhes a vida.
Lara tem dois anos e meio e na sua pequena cabeça, no meio dos caracóis do cabelo, todos os dias coloca os dois dispositivos tecnológicos que lhe permitem, desde fevereiro, ouvir. Natural de Esposende, é surda profunda e foi implantada, através do SNS, no Hospital dos Covões, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).
Vânia Vilaça, a mãe, diz-se "grata todos os dias". Mas lamenta as barreiras que tem encontrado. "Não ajustam as nossas expectativas, não criam um plano do que vai acontecer. É tudo sempre a andar. Nunca falei com uma assistente social, por exemplo, sobre o atestado multiusos a que a Lara tem direito. E nunca me explicaram que posso ligar os processadores ao tablet, para ela ouvir música e a estimular".
A surdez de Lara foi detetada no privado e, depois, o médico de família encaminhou-a para o S.João, no Porto. "Isso foi em novembro. Mas disseram-nos que a cirurgia só era feita em Coimbra e mandaram-nos logo para lá. A 12 de janeiro, estava a ser operada. Portanto, essa parte foi rápida", conta Vânia.
Três meses em Coimbra
De acordo com o ministério, em março a lista de espera para cirurgia era de 95 pessoas, 11 das quais crianças. E a lista maior era a do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, com 45 casos.
Lisboa e Coimbra são os dois Centros de Referência de Implantes Cocleares que existem. Mas na região Norte, por exemplo, o Hospital de Santo António (afeto ao Centro de Referência de Coimbra), no Porto, e o de S.Sebastião, em Santa Maria da Feira, também realizam a cirurgia. Só que, habitualmente, muitos utentes daquela zona são encaminhados para Coimbra. Foi o caso de Lara.
"Um mês após a cirurgia, é feita a ativação do implante. E, durante três meses, ela tem que fazer terapia da fala quatro vezes por semana, no mesmo hospital. Tivemos que alugar um T1 em Coimbra, por 650 euros, para a acompanhar. Por acaso, o meu marido trabalha por conta própria e a nossa filha mais velha ainda não anda na escola. Mas e quem não tem essa possibilidade?", questiona Vânia, técnica de cardiopneumologia.
Lurdes Rodrigues, de Castro Daire, também teve que se mudar para Coimbra, temporariamente, quando o filho, Filipe, agora quase com quatro anos, foi implantado - de um lado, em abril de 2021, e do outro, em outubro de 2022. Ficou em casa de familiares. No privado, pediram-lhe "60 mil euros pelos dois implantes".
Filipe é "visto como um caso de sucesso a nível nacional". É surdo profundo, mas comunica oralmente como qualquer criança da sua idade, sem sotaque. E no Hospital dos Covões, conta Lurdes, "é conhecido como o surdo cantor".
É acompanhado por uma Equipa de Intervenção Precoce, por ter nascido em paragem cardiorrespiratória, em sofrimento fetal, tendo estado internado na neonatologia. "Sempre teve consultas frequentes. E, depois da terapia na fala em Coimbra, passou a fazer em Viseu, através do SNS", conta a mãe, que só se queixa de "falta de apoio psicológico aos pais".
Como funciona?
O implante coclear tem um componente interno que é implantado, atrás da orelha, debaixo da pele, através de cirurgia. Cerca de um mês depois, é acoplado um componente externo, o processador de som, que é fixado através de um íman.
É preciso estimular
Algumas destas crianças são depois encaminhadas para escolas de referência para surdos. Mas nesses estabelecimentos estimula-se Língua Gestual Portuguesa. As famílias preferem que seja estimulada a fala e a audição, às vezes a expensas próprias.