Só dois foram vinculativos e maioria dos pedidos foi recusada. "Rigor excessivo" do Constitucional é outro entrave apontado por especialistas. Vice da ANMP propõe alteração legislativa.
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A regra dos mais de 50% de votantes exigida para um referendo local ser vinculativo é criticada por politólogos e autarcas, quando se resumem a meia dúzia os que foram efetivamente concretizados, numa lista a que se junta amanhã uma consulta sobre a desagregação de freguesias, em Viana do Castelo.
Só dois foram vinculativos. Rui Santos, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), defende uma alteração legislativa para que sejam aplicadas as regras dos referendos nacionais. As consultas solicitadas chegaram à meia centena, grande parte sobre reorganização administrativa, mas a maioria ficou pelo caminho, o que motiva também críticas ao alegado excesso de rigor na forma como o Tribunal Constitucional (TC) avalia as propostas.
Quando as atenções se viram para o referendo de amanhã, a Comissão Nacional de Eleições elenca oito consultas locais desde 1999, incluindo um em Vizela que foi cancelado por causa da covid.
Miguel Ângelo Rodrigues, diretor-adjunto do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho, nota que "apenas dois foram vinculativos", mas houve 49 pedidos. Refere 25 ao abrigo da lei de 1990 sobre "consultas diretas" (23 dos quais rejeitados) e 24 no âmbito do novo regime jurídico do referendo local, de 2000 (18 recusados). Nos motivos da rejeição, dominam a falta de competência exclusiva, a incorreção nas perguntas e a não apresentação atempada. Miguel Rodrigues destaca, ainda, que 16 respeitam à reorganização administrativa. A incidência é maior no Norte, com 24, e o maior número parte do PS, com 22, contra 18 do PSD.
"mudança é dificultada"
O investigador reforça a ideia de que a regra dos 50% "favorece o status quo", baseando-se nos trabalhos de Luís Aguiar-Conraria e Pedro Magalhães. "Quem deseja votar "não" pode participar e manifestar a sua oposição à proposta, mas assim corre sempre o risco de dar validade à consulta", sublinha. Ou "podem não participar e, com isso, retirar eficácia ao instrumento de consulta". Na prática, diz que os 50% tornam mais difícil a mudança, defendendo "uma alteração desta regra" para melhorar o nível de participação.
O socialista Rui Santos, autarca de Vila Real e vice da ANMP, destacou ao JN que os referendos locais são "um bom instrumento democrático". Porém, "com as regras subjacentes, é muito difícil que dele saiam decisões vinculativas". Daí que defenda "uma alteração legislativa", para que "sigam as regras dos referendos nacionais". "Faria todo o sentido", garante o autarca, pelas dificuldades em cumprir os 50% e na mobilização.
O presidente da Anafre, Jorge Veloso, concorda que os 50% são um entrave, quando a abstenção já é um inimigo da participação eleitoral. Mas ressalva que o resultado "pode ser tido em conta" mesmo que não seja vinculativo.
Para Filipe Teles, da Universidade de Aveiro, é "um instrumento excecional de cultura democrática e de envolvimento direto dos cidadãos nas decisões locais".
"monopólio partidário"
No entanto, "a complexidade do processo, que enfrenta o rigor excessivo e formal como o TC avalia as propostas, o monopólio partidário sobre as decisões locais e o modelo excessivamente centrado no poder executivo (com receios de partilhar a decisão com os cidadãos) podem ajudar a explicar o número extremamente reduzido", disse o professor de Ciência Política e pró-reitor.
António Cândido de Oliveira, professor catedrático jubilado da Escola de Direito da Universidade do Minho, considera que assuntos de "forte controvérsia local deveriam ser submetidos a referendo".
A seu ver, o local ideal de discussão sobre referendos é a assembleia (municipal ou de freguesia) e "uma oposição local forte tenderia a favorecer a sua realização". "Não precisamos de muitos, mas de um número significativo que não existe", porque "algo está mal", avisa. Mas, "mesmo quando o resultado não é vinculativo, os referendos são uma indicação que deve ser tida em devida conta".
A propósito da consulta popular de amanhã, Cândido de Oliveira já alertou que os referendos locais sobre a desagregação de freguesias podem ser um perigo, porque o processo fica dependente da "boa vontade da freguesia maior".
Participação eleitoral desceu após fusões
A propósito dos efeitos da fusão de freguesias na participação eleitoral em autárquicas, concretizada em 2013, o investigador Miguel Ângelo Rodrigues referiu que "desceu consideravelmente no ano da reforma", como "se tivéssemos um movimento de protesto em relação a todo o processo".
"A participação eleitoral já era menos nas uniões antes da reforma, mas a união de freguesias veio agravar o fosso", disse ao JN. Ou seja, há impacto negativo na qualidade da democracia local. "As uniões registam menos participação quando comparadas com as freguesias que não sofreram alteração". Após o primeiro movimento de protesto em 2013, "as distâncias mantêm-se e agravam-se".
Pormenores
Realizados
Houve referendos sobre a construção do polidesportivo em Serreleis (Viana); a demolição de um reservatório de água (Tavira); adesão de Viana à comunidade intermunicipal Minho-Lima; concessão de um parque de estacionamento no Cartaxo; integração de uma freguesia em S. João da Madeira; e circulação na Ponte Romana de Chaves.
Razão dos pedidos
Reorganização administrativa lidera pedidos. Para além da criação de freguesias ou sua transferência para outro concelho, constam novas áreas protegidas, a adesão a comunidades intermunicipais e concessão de serviços.
Sem apreciação
Dos últimos 30 acórdãos do TC, consta um referendo sobre desagregação de freguesias em Moura. Mas o requerimento não foi aceite.