Referendo local em Viana do Castelo: "Estamos a dar às pessoas uma arma para decidirem"
O concelho de Viana do Castelo volta, esta segunda-feira, a fazer história, com a realização do primeiro referendo local do país sobre a (des)agregação de freguesias. A população de Barroselas e Carvoeiro vai às urnas para dizer de sua justiça, ou seja, se aprova ou não a continuidade da união formada em 2013.
Corpo do artigo
A organização da consulta popular, que será vinculativa caso votem mais de 50% dos eleitores, ficou a cargo da junta de freguesia, liderada por Rui Sousa, sob coordenação da Comissão Nacional de Eleições (CNE). E, segundo o autarca, tem sido alvo de curiosidade de outras uniões de freguesias, interessadas em saber como se desenrola o processo.
Já em 1999 (25 de abril), aquele município encabeçou o pelotão da democracia em Portugal, com a realização do primeiro referendo local em território nacional. Na freguesia de Serreleis, os eleitores foram votar para responder à pergunta: "Concorda com a construção de um campo de jogos para desportos diversos (polidesportivo) na parte de trás do Salão Paroquial [de Serreleis]?". O eleitorado acorreu em massa (76,7%) e a maioria votou não. Vinte e três anos depois, a questão "Concorda com a separação das freguesias de Barroselas e Carvoeiro?" levará de novo o povo a responder sim ou não num boletim de voto. Nas freguesias que vão ser consultadas, o período pré-eleitoral decorreu sem campanha nem cartazes.
"Não houve nenhum movimento, quer dos partidos políticos, quer de grupos de cidadãos, nem contra, nem a favor, o que poderia ter acontecido", declarou Rui Sousa, que vai, com a consulta às populações, concretizar uma promessa eleitoral. "Foi sempre um tema muito presente. Ouvia-se muito, sobretudo as pessoas de Carvoeiro, dizer que gostariam de ter sido ouvidas quando [a agregação] aconteceu em 2013. E esta foi a forma de darmos às pessoas uma "arma" para poderem tomar a sua decisão", explicou o autarca: "O que for a vontade do povo é aquilo que nós iremos fazer".
Domina as conversas
Rui Sousa admite que a organização do referendo foi "muito trabalhosa e complexa. Fomos proibidos de publicitar a nossa opinião. Eu queria fazer intervenções na União de Freguesias para explicar às pessoas o que é bom e mau [na agregação], mas a proibição foi total", conta. Por isso, a junta decidiu, "com a autorização da CNE", enviar a cada uma das casas um panfleto a informar da realização da consulta popular (foram impressos 3000). Adiantou que "até a formação das mesas de votos" foi complicada. "Afixamos editais, mas não apareceu qualquer lista. Tivemos que fazer um sorteio público das pessoas que estiveram nas mesas nos últimos atos eleitorais".
Quem percorre as duas freguesias, praticamente não encontra sinais de que se realizará um referendo, mas basta entrar nos cafés para perceber que o assunto da união está latente. Até o alemão Dobrivoje Peric, de 65 anos, que possui casa há sete em Barroselas, tem opinião formada. "Acho que as freguesias se devem separar, porque, assim, vem mais dinheiro para Barroselas. A união não faz sentido. A distância entre elas é grande. Barroselas é uma terra grande e Carvoeiro é muito mais pequena", frisa.
De Carvoeiro, Ana Pinto de 46 anos, entende que a junção não favorece o desenvolvimento. Diz: "Acho que tem de haver separação. Carvoeiro parou no tempo. Na segunda-feira, as pessoas vão votar, porque há muita gente contra a união".
As secções de voto vão ser instaladas nas escolas básicas de Barroselas e Carvoeiro. A votação decorrerá das 8 às 19 horas. O processo conta com o apoio do Gabinete Eleitoral da Câmara de Viana do Castelo.
Além de dois referendos em freguesias, Viana também foi às urnas em 2009, numa consulta concelhia, sobre a integração na atual Comunidade Intermunicipal (CIM) do Alto Minho, que foi chumbada pela abstenção (69,24%).
Proposta e marcação
Câmaras e assembleias municipais, bem como juntas e assembleias de freguesia, apresentam propostas para a organização de consultas. Também podem resultar da iniciativa de grupos de cidadãos. A deliberação compete às assembleias por maioria de votos. O presidente do órgão executivo da autarquia decide a data.
Constitucional
No prazo de oito dias a contar da decisão de fazer o referendo, o presidente do órgão deliberativo submete-a ao Tribunal Constitucional (TC) para fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade. O resultado do referendo vincula os órgãos autárquicos, se for cumprido o mínimo de votantes: deve ser superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. O TC faz a verificação em 25 dias.
Evolução
Foi primeiro chamado de consulta direta local e acolhido na ordem jurídica após a 1.ª revisão constitucional em 1982. Na 4.ª revisão, de 1997 e com aprovação da atual lei, passou a referendo local. Visa questões de relevante interesse local a serem decididas por órgãos municipais ou de freguesia de modo exclusivo ou partilhado com o Estado ou regiões autónomas.