Doente participa em ensaio clínico que associa um vírus e imunoterapia. Tumores tiveram "redução brutal".
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Os últimos três anos de José podem ser divididos em dois tempos. O antes e o depois do "doutor Júlio". Do "antes", guarda memória de uma cirurgia a um tumor na garganta, seguida de tratamentos de quimio e radioterapia, que lhe roubaram o cabelo e os dentes implantados. Já pesava menos de nada, a pele encostada aos ossos, a esperança a fugir-lhe dos olhos, quando o "doutor Júlio" apareceu e o convidou a participar num ensaio clínico. "Bendita hora". Aceitou logo.
José Magalhães, 79 anos, amarantino de berço, mas quase toda a vida tirsense, emociona-se quando puxa a fita do tempo. "Naquela altura, já ninguém dava nada por mim", diz, recostado na cadeira de tratamentos do hospital de dia dos ensaios clínicos do IPO do Porto.
Foi há mais ou menos um ano que, depois de assinar a papelada, entrou num ensaio clínico de fase 1 para experimentar um tratamento que combina a imunoterapia com um vírus oncolítico, que é injetado diretamente nas lesões. O objetivo é ensinar o sistema imunitário a combater aquele cancro da cabeça e pescoço.
Não foi preciso muito para perceber logo o efeito. Em poucos dias, a "bola do tamanho de um punho" que José carregava na curva entre o pescoço e o ombro começou a perder volume, até desaparecer. E os exames foram confirmando o que parecia óbvio a olho nu. "Houve uma redução brutal", confirma Júlio Oliveira, médico que convidou José a participar no ensaio e que hoje é presidente do IPO do Porto. "Foi sempre a melhorar", conta o doente, entre elogios aos profissionais e ao "doutor Júlio" que lhe "salvou a vida".
De três em três semanas, regressa ao hospital para fazer o tratamento, agora sem vírus. Com quase 80 anos e muitos combates na vida, cantarola de cor os rios e as serras de Portugal. O dia de amanhã não é a prioridade. Importante foi conseguir "viver mais um bocadinho com qualidade".
Ninguém sabe quanto durará aquele "bocadinho com qualidade", mas é certo que sem ensaio clínico não teria existido. O acesso antecipado a terapêuticas inovadoras é uma das grandes vantagens destes tratamentos experimentais que, em 2022, envolveram 450 doentes, num total de 158 ensaios realizados no IPO do Porto. Júlio Oliveira quer mais. "Se aumentarmos o número de ensaios clínicos, vamos aumentar a probabilidade dos doentes beneficiarem de tecnologias inovadoras", assegura.