Em 2022, houve um recorde de pedidos de autorização submetidos, mas o Infarmed levou em média 87 dias a decidir. Demora torna o país pouco competitivo e trava acesso à inovação.
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No ano passado, foram submetidos ao Infarmed 230 pedidos de autorização de ensaios clínicos, mais 30% do que em 2021 e o maior número de sempre. Mas o regulador demorou em média 87 dias a decidir, mais 40 do que no ano anterior. Um "tempo excessivo" que põe em causa a competitividade do país, alertam as farmacêuticas e os hospitais. Cada ensaio clínico perdido são menos milhões de euros que entram no Serviço Nacional de Saúde e são menos opções terapêuticas inovadoras para os doentes.
Respondendo ao JN, o Infarmed nota que tem havido um crescimento sustentado de ensaios clínicos autorizados nos últimos dez anos e justifica o tempo de decisão com a complexidade e a tecnologia usada. "A complexidade no desenho de ensaios clínicos, bem como o tipo de medicamentos experimentais, cada vez mais de origem biotecnológica com processos de fabrico envolvendo tecnologia de ponta", obrigam a uma "avaliação robusta, crítica, completa, com recurso a revisão interpares", refere o regulador do medicamento. Alegando que, no âmbito do novo regulamento europeu de ensaios clínicos, implementado em janeiro de 2022, todos os processos de novos pedidos tiveram decisão do Infarmed dentro do prazo legal.
Já a indústria farmacêutica considera que os tempos são "excessivos e não concorrenciais com os períodos de avaliação/autorização dos restantes países europeus". A Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) realça que "o encurtamento dos prazos" funciona como "uma força de tração" para atrair mais ensaios clínicos. "Pelo contrário, tempos claramente deficientes face à realidade dos países que assumem a investigação clínica como uma prioridade na sua plenitude, designadamente no acelerar dos tempos de avaliação e autorização, não permitem que Portugal seja efetivo", argumenta a Apifarma.
Perdem os doentes, o SNS e o país
Com os atrasos, perdem os doentes e a melhoria dos cuidados assistenciais; perdem os profissionais de saúde, porque fogem as oportunidades de se tornarem mais qualificados; perde a sociedade, porque os doentes deixam de ter acesso à inovação, ganhando tempo e qualidade de vida; perde o SNS, porque os ensaios clínicos geram receitas; e perde a economia do país, resume a indústria.
Júlio Oliveira, presidente do IPO do Porto, unidade de saúde na vanguarda da investigação, não tem dúvidas de que "a maioria dos ensaios clínicos passam-nos por cima da cabeça", no caminho entre os Estados Unidos e a Europa. "Nem os vemos", garante o médico, admitindo que houve melhorias nos últimos anos, mas "a esfera de oportunidade é muito superior ao que melhorámos".
Os atrasos na aprovação de ensaios preocupam, porque "significa que estamos a perder competitividade", mas o problema é mais profundo. Há todo um sistema que tem de funcionar "sem areias na engrenagem". Por um lado, a entidade reguladora tem de ser expedita a avaliar e, por outro, as instituições de saúde têm de ser rápidas a desenvolver o arranque do estudo e a incluir o doente. Mas para isso têm de estar bem organizadas e ter autonomia para a contratação rápida de recursos humanos.
Desta tríade faz ainda parte o Estado, que "tem de ter uma visão concertada de todo o processo, tem de dotar o regulador dos recursos necessários para decidir rápido e as instituições de saúde de condições, para terem unidades competitivas". "Se não tivermos agilidade, perdemos o jogo por falta de comparência", conclui.
Números
51 dias úteis
O tempo médio de avaliação de um pedido de parecer da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC) subiu de 42 dias em 2020, para 51 em 2022. Os pedidos podem correr em simultâneo à avaliação do Infarmed.
15% de ensaios de fase 1
Nos últimos anos, 15% a 20% dos ensaios clínicos são de fase 1, a primeira com testes em doentes. O primeiro centro de investigação de fase 1 nasceu há nove anos nos hospitais de Coimbra, mas já há vários.