José Tavares: "O bom gestor, público ou privado, é o que observa procedimentos concorrenciais"
Presidente do Tribunal de Contas pugna por melhor planeamento, concorrência e fundamentação nas compras públicas
Corpo do artigo
José Tavares, juiz conselheiro, presidente do Tribunal de Contas desde 2020, a exercer outras funções no mesmo tribunal desde 1986, conhece como poucos a instituição que fiscaliza e controla os dinheiros públicos em Portugal. Ao JN, explica que as funções do Tribunal de Contas não se esgotam na fiscalização prévia, que a sensibilização dos gestores públicos é uma preocupação e que o bom gestor é aquele que permite a concorrência.
Da atividade diária do Tribunal de Contas, também constata que o procedimento do ajuste direto tem sido maioritário na Administração Local?
Tem realmente um peso significativo na atividade contratual pública, nomeadamente na Administração Local. É o que se pode verificar da consulta do Portal Base dos Contratos Públicos, que também seguimos atentamente.
O modelo de consulta prévia, ainda que não seja obrigatório em determinados contratos, é na mesma aconselhável?
Os procedimentos concorrenciais têm a virtualidade de alargar o âmbito das possibilidades de adjudicação, permitindo escolher a melhor de várias propostas e assim contribuir para a boa prossecução do interesse público. Nisto se traduz o princípio da boa administração. Para o efeito, é aconselhável que permanentemente se aperfeiçoe o planeamento da contratação pública, contrariando facilitismos e falsas urgências.
O Tribunal de Contas tem sensibilizado os gestores públicos para a necessidade de se privilegiar procedimentos abertos à concorrência?
É uma preocupação permanente. A jurisprudência do Tribunal de Contas é clara no sentido de se privilegiar os procedimentos abertos à concorrência. Esta é, aliás, a linha de orientação estabelecida no art. 16.º do novo regime da prevenção de riscos de corrupção, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, e que deve ser seguida pela Administração Pública como princípio norteador da atividade contratual.
Mas não é isso que acontece na maioria dos casos.
Salvo em situações excecionais ou especiais, o bom gestor, público ou privado, só merece esta designação se observar procedimentos concorrenciais. Este é um corolário do princípio da boa gestão, que também é imposto por lei aos gestores públicos, e para o demonstrar é imprescindível respeitar o princípio da fundamentação, também consagrado na Constituição e na lei.
Uma vez que os procedimentos de consulta prévia simplificada a cinco entidades não necessitam de visto prévio até aos 750 mil euros, o Tribunal de Contas dispõe de outros mecanismos para evitar a ocorrência de fenómenos de corrupção e/ou conflitos de interesses?
Além da fiscalização prévia, o Tribunal de Contas exerce a fiscalização concomitante e a fiscalização sucessiva, traduzidas na realização de auditorias, verificação de contas, ações de apuramento de responsabilidades e julgamento de responsabilidade financeira. Devemos ter em atenção que o procedimento de ajuste direto não é sinónimo de corrupção. É também um procedimento previsto na lei. Quando ilegalmente seguido, traduz uma infração punível e conduz à invalidade do contrato. A corrupção tanto pode ter lugar em ajustes diretos como em procedimentos concorrenciais, respeitando não ao tipo de procedimento mas à observância de princípios e valores, como a integridade.
Não é raro haver vistos que demoram vários meses a ser concedidos, o que é que acontece nessas situações?
Atualmente, a média de apreciação dos processos de fiscalização prévia situa-se em 11/12 dias. Há, porém, casos em que o Tribunal solicita esclarecimentos e a resposta por parte da Administração demora, por vezes, semanas ou até meses. Aproveito também para recordar que, dos 2000 a 4000 contratos que o Tribunal recebe por ano para fiscalização prévia, em média o Tribunal apenas recusa o visto a cerca de 1%, o que demonstra também, de uma forma clara, a função pedagógica e construtiva da fiscalização prévia.