A tendência de diminuição de dádivas e de dadores de sangue, verificada desde 2008, inverteu-se no ano passado. Em 2021, houve mais 15 mil pessoas a dar sangue em Portugal e mais quase 23 mil dádivas do que no ano anterior.
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Desde 2018 que não se contavam tantos dadores. As colheitas superaram os números pré-pandemia, muito à custa dos jovens e dos que decidiram dar pela primeira vez parte da vida que lhes corre nas veias.
Há mais de uma década que a curva estava a descer, com quebras de 30% no número de dadores e de dádivas. Mas 2021 conta uma história diferente. O Relatório de Atividade Transfusional e do Sistema Português de Hemovigilância 2021, do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), a que o JN teve acesso, revela que 204 088 dadores efetuaram pelo menos uma dádiva no ano passado.
São mais 15 487 do que no primeiro ano da pandemia, marcado pelos confinamentos e pela redução de deslocações aos hospitais, mas também mais 3532 dadores do que em 2019 e mais 911 do que em 2018. Sem surpresa, a maior adesão de dadores resultou num aumento das dádivas: 310 727, ligeiramente acima de 2019 ver [infografia].
O crescimento foi sustentado num "notável" aumento dos novos dadores. "A proporção de dadores de primeira vez sofreu uma inversão relativamente à tendência verificada até 2019, com um aumento proporcional, relativamente a 2019, de 4,4%", revela o relatório, concluído no passado dia 8. "Este resultado indica provavelmente que a base de dadores pode ser alargada se se encontrarem os meios e os recursos adequados para mobilizar este grupo", realça o documento, assinado por Maria Antónia Escoval, presidente do IPST.
Rejuvenescimento a manter
No mesmo período, diminuiu o número de pessoas que dão sangue regularmente (menos 6 mil face a 2019), apesar de este grupo continuar a ser o grande motor dos serviços de sangue em Portugal, representando 83% do total de dadores.
Ainda que a média de idades se mantenha estável ao longo dos anos, em 2021 houve mais dadores no grupo etário dos 18 aos 24 anos, o que "reflete provavelmente o aumento do número de dadores homólogos que doaram pela primeira vez". Para o IPST, a distribuição por grupos etários nota "um rejuvenescimento ligeiro da população de dadores, que importa manter".
À boleia do aumento dos novos dadores jovens, e também de uma alteração nos critérios de notificação, no ano passado registou-se uma subida ligeira da taxa de notificações de reações adversas em dador, de 2,39 por cada mil dádivas em 2019 para 2,72 por mil em 2021. Isolando os dadores de primeira vez, esta taxa atingiu os 7,9 por mil dádivas. Em números absolutos, houve 742 notificações de reações adversas no dador em 2019 e 846 em 2021. A maioria das reações (525) foram vasovagais (com ou sem perda de consciência) e outras 321 caracterizaram-se por sinais e sintomas locais, como hematoma, dor no braço, hemorragia pós-dádiva.
Mais hepatite C e VIH
Relativamente ao perfil epidemiológico do dador, construído a partir dos vírus pesquisados em cada dádiva para garantir a segurança do doente que a vai receber, o relatório aponta uma diminuição da hepatite B - apenas seis casos, o número mais baixo de sempre, e todos em novos dadores -, mas um aumento da hepatite C e do VIH. Para a hepatite C foram notificados 18 casos (mais 28,6% do que em 2020), a maioria (16) em novos dadores.
Para o VIH, foram notificados 15 casos, dez em dadores habituais e cinco em dadores de primeira vez. Desde 2017 que não se viam números destes para o VIH e vírus da hepatite B. O IPST admite que o resultado pode estar relacionado com "as alterações significativas nos critérios de elegibilidade de dadores", ocorridas em 2021. As mudanças em causa estarão relacionadas com a não discriminação do dador em razão da identidade de género ou orientação sexual. É um resultado que "importa monitorizar", mas que também "pode obviamente estar influenciado pelo efeito de um pequeno número", lê-se no documento.