Há pedidos de junta médica com atrasos superiores a um ano e meio. A atividade das juntas foi suspensa, entre março e junho, para libertar os médicos de Saúde Pública para a covid-19, e a retoma, iniciada em julho, está a acontecer de forma "não uniforme" no país e "a passo de tartaruga", denuncia a Liga Portuguesa Contra o Cancro.
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Há concelhos onde ainda nem recomeçaram. Em Matosinhos, os doentes estão a ser informados de que há pedidos pendentes desde março de 2019.
"Ainda há pior do que isso", afiança Vítor Rodrigues, presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), que já em julho alertou para "a situação preocupante" de milhares de doentes que além de lhes cair o céu sobre a cabeça quando recebem um diagnóstico de cancro não conseguem ver os seus direitos garantidos.
longas filas de espera
O mau funcionamento das juntas médicas afeta os doentes que precisam de um atestado de incapacidade multiuso, um documento que permite a quem tem algum tipo de incapacidade o acesso a benefícios, nomeadamente fiscais (ler mais na caixa). A validade dos atestados já emitidos foi prorrogada até 31 de dezembro. Mas quem está a pedir pela primeira vez tem uma longa espera pela frente.
É o caso de um utente que entregou um pedido de junta médica em Matosinhos em maio passado. No final de agosto, foi informado que as juntas ainda não tinham recomeçado e que, quando reabrissem, seriam chamados os processos de março de 2019.
O problema é especialmente grave no Norte. Nesta região, os atrasos já vêm de trás, nota Vítor Rodrigues. E os números enviados ao JN pela Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte confirmam: a 31 de dezembro havia 25 666 pedidos pendentes para junta médica "que, gradualmente, vão entrando em processo de resolução".
A suspensão da atividade de março a junho agravou a espera. Porque todos os meses há milhares de diagnósticos de doenças que dão direito ao atestado. Só os diagnósticos de cancro, aos quais habitualmente é atribuída incapacidade de 60%, são cerca de 5 mil por mês.
O Governo decretou, em março, que cada ARS tinha de assegurar pelo menos uma junta por agrupamento de centros de saúde (ACES) ou Unidade Local de Saúde. Na região Norte, "até ao momento, 15 dos 24 ACES constituíram pelo menos uma junta médica, prevendo-se que, ainda durante este mês, mais cinco estejam em condições de o poder fazer", adiantou a ARS. O número já tinha sido avançado em julho pela secretária de Estado da Inclusão. À data, Ana Sofia Antunes disse que o Norte tinha 15 juntas em atividade, o Centro 17, Lisboa e Vale do Tejo 15, o Alentejo e o Algarve cinco cada. Também a secretária de Estado Adjunta e da Saúde reconheceu, em julho, um atraso "muito significativo" nas juntas. Que se mantém.
Liga disponível para apoiar ação judicial coletiva
A Liga Portuguesa Contra o Cancro está disponível para apoiar um movimento coletivo para defender em tribunal os doentes que não conseguem obter um atestado multiuso. "Não vamos agir contra ninguém, queremos é desbloquear este problema", referiu Vítor Rodrigues. O presidente da Liga pede soluções rápidas e uma delas seria a emissão de atestados multiusos provisórios pelos hospitais que fazem os diagnósticos. Afinal de contas, são estes que emitem os documentos para a decisão das juntas médicas.
Pormenores
Quem pode pedir? Qualquer cidadão que tenha alguma incapacidadade - física, mental ou outra - pode pedir um atestado médico de incapacidade multiuso. Para isso tem de pedir uma junta médica no centro de saúde.
Benefícios do atestado - O atestado multiuso dá direito a um conjunto de benefícios, dependendo do grau de incapacidade do doente. Entre eles, reduções no IRS e na retenção na fonte no salário, a isenção do imposto único de circulação até 240 euros e a compra de viaturas com isenção de imposto sobre veículos.
Vagas e descontos - O mesmo atestado permite ter acesso a bonificações no crédito à habitação, quotas de emprego na Administração Pública, vagas nas universidades, prioridade no atendimento, entre outros. Há também empresas, como operadoras de telecomunicações, que dão descontos a quem tem atestado multiuso.
Provedora já reagiu - A Provedora de Justiça recomendou ao Governo que, para os doentes oncológicos, o atestado deve ser imediato, aquando o diagnóstico, e ter validade de cinco anos ou até à realização de uma junta médica.