O Tribunal Constitucional anulou todas as modificações aos estatutos do partido Chega ocorridas na IV Convenção Nacional, de novembro do ano passado, em Viseu. Na prática, a decisão tira poderes a André Ventura e faz desaparecer vários órgãos do partido, entre os quais a Juventude Chega, o Secretário-Geral e a Comissão de Ética que, desde que foi criada, já suspendeu cerca de 100 militantes. A maioria destes militantes são opositores de André Ventura que prometem, agora, regressar.
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Em Viseu, os militantes do Chega decidiram criar vários órgãos que foram integrados nos estatutos agora chumbados pelo Tribunal Constitucional. O mais polémico de todos é a Comissão de Ética que, através da Diretiva 3/2020, que alguns militantes apelidam de "lei da rolha", já suspendeu cerca de 100 militantes por críticas à direção e seus dirigentes, sobretudo nas redes sociais.
Na prática, a decisão do Tribunal Constitucional faz regressar os estatutos à versão anterior à Convenção de Viseu. Na Convenção, André Ventura criou a Comissão de Ética que, para o Tribunal Constitucional, se confunde com o Conselho de Jurisdição Nacional, que também é um órgão disciplinar.
O Tribunal considera que os novos estatutos não definem concretamente qual "o regime disciplinar e sancionatório que permita ao potencial militante compreender, a partir da leitura dos estatutos de um partido, quais os seus deveres, quais as sanções para o seu incumprimento, e como se processa o exercício da competência disciplinar".
O Tribunal entende ainda que André Ventura passou a deter "um vastíssimo leque de competências", onde se incluía a possibilidade de propor ao Conselho Nacional a cessação de funções de militantes em caso de "insubordinação".
Na sequência da IV Convenção, o Chega também designou Rui Paulo Sousa, deputado e presidente da Comissão de Ética, para secretário-geral do partido. Com esta decisão, o Tribunal Constitucional extingue este cargo pois a versão anterior dos estatutos, que passa a estar em vigor, não o prevê.
O JN contactou o Chega, mas ainda não obteve resposta. Esta sexta-feira de manhã, André Ventura mostrou-se "surpreendido" com a decisão e admitiu marcar um novo congresso, ou convenção, para aprovar novos estatutos.
Quem ficou satisfeito com a decisão foram os cerca de 100 militantes suspensos pela "lei da rolha" da Comissão de Ética. Uma vez que o órgão deixa de existir, as suspensões ficam sem efeito e quem foi suspenso pode regressar à militância ativa.
"O Tribunal de Contas limitou-se a repor a legalidade, o que já era esperado há muito", reagiu José Lourenço, ex-presidente da Distrital do Porto, à qual admite candidatar-se novamente. José Dias, antigo vice-presidente do partido que estava suspenso até janeiro de 2023, ficou "muito satisfeito" com a decisão do Tribunal e desabafa que "fez-se justiça".
Fernando Feitor, vereador do Chega em Vila Verde, diz sentir-se "aliviado" por ter desaparecido "uma angústia e um pesadelo que trazia às costas". Agora, deixa um aviso ao líder: "Aguardem por mim e por todos aqueles que acreditaram em mim e ainda não desistiram". Luís Eustáquio, antigo vice-presidente do Chega em Évora, refere que "afinal valeu a pena lutar para que a verdade fosse reposta".
Muitos querem voltar
O antigo chefe de gabinete de André Ventura e principal voz da Oposição interna, Nuno Afonso, também já reagiu à decisão do Tribunal Constitucional: "Acabou por confirmar tudo o que eu tenho dito ou escrito até hoje. Não há democracia interna, o presidente põe e dispõe do partido, dos órgãos de tudo a seu bel-prazer, os militantes são suspensos ou expulsos por delito de opinião e está na hora de colocar um ponto final a este clima de perseguição e guerrilha interna".
Nuno Afonso concorda que a decisão abre a porta ao regresso de militantes que foram afastados e revela que muitos já manifestaram interesse em voltar: "Será uma árdua tarefa o congregar e recuperar muitos dos fundadores porque houve uma enorme ingratidão para com eles, mas muitos já me contactaram a demonstrar disponibilidade para voltar a um projeto sério e democrata".