Maria João Antunes, coordenadora do grupo de trabalho responsável por rever a lei de saúde mental, apelou, esta tarde de quinta-feira em audição parlamentar, para que se faça uma revisão geral das leis eleitorais que considerou "obsoletas" ao privarem os doentes mentais do direito ao voto.
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Maria João Antunes e Miguel Xavier, membros do grupo de trabalho que reviu a lei de saúde mental de 1998, estiveram a ser interrogados por vários grupos parlamentares ao início da tarde desta quinta-feira. Maria João Antunes alertou para a importância da revisão das leis eleitorais. "A proposta de lei de saúde mental não o podia fazer porque estamos a falar de leis orgânicas, mas faço um apelo para que se faça uma revisão geral das leis eleitorais que privam estas pessoas do exercício fundamental de votar indevidamente. As leis estão absolutamente obsoletas em relação àquilo que é hoje a intervenção em saúde mental", criticou.
Durante uma hora, algumas das principais mudanças da futura lei da saúde mental, que já foi aprovada na generalidade, foram questionadas por vários grupos parlamentares. O grupo parlamentar do PS questionou o grupo de trabalho sobre "quais os fundamentos para continuar a manter o tratamento involuntário, numa altura em que se discute a nível europeu a sua abolição". Quase todos os partidos quiseram esclarecer melhor as alterações ao tratamento involuntário, antes denominado tratamento compulsivo, assim como a capacidade do doente para decidir, que de acordo com a nova lei deverá ser feito sempre que possível em ambulatório.
Em resposta aos deputados, Miguel Xavier, diretor nacional do programa de saúde mental e membro do grupo de trabalho, referiu que "a doença mental está associada a séculos de violação grosseira dos direitos humanos". "Em Portugal, decidiu-se dar maior ênfase aos direitos humanos e esta lei vai muito à frente da de 1998. Consideramos que a retirada do internamento compulsivo do quadro legislativo seria um passo arriscadíssimo e acho que temos razão [em manter] porque nenhum país da Europa fez isso", esclareceu.
Maria João Antunes elogiou ainda algumas mudanças na lei que privilegia os direitos humanos. "Muitas vezes, os nossos juízes acriticamente decretam o internamento compulsivo. Agora há o cuidado de exigir uma fundamentação muito específica de todas estas soluções restritivas". A coordenadora do grupo de trabalho lembrou ainda alguns avanços tecnológicos, como os medicamentos injetáveis, que permitiram propor que "o tratamento em ambulatório seja a regra e não a modalidade do internamento (no hospital)", outro dos objetivos da futura lei.
"Atrasos de três décadas"
Miguel Xavier concorda que houve avanços científicos, mas, alertou, que "ao nível da medicação não há avanços há 20 ou 30 anos". "Temos de apostar tudo nas pessoas e nas equipas multidisciplinares porque não há pílulas mágicas no campo da psiquiatria", defendeu. O médico psiquiatra lembrou ainda que "o nosso estado de evolução em termos de prestação de cuidados às populações, comparando com o resto da Europa Ocidental, está mais ou menos como a Europa Ocidental estava no fim dos anos 80". "O que vamos fazer é tentar, em quatro ou cinco anos, recuperar uma parte importante deste atraso", frisou.
As audições ao grupo de trabalho continuam na próxima semana e, em breve, a nova lei irá ser discutida na comissão parlamentar.