A Comissão de Proteção de Dados admite que o acesso a certos locais esteja condicionado à medição de temperatura (desde que quem o faça esteja obrigado ao dever de confidencialidade) e à realização de testes à covid-19 (se as amostras forem colhidas por profissionais de saúde). E critica uma omissão na lei "incompreensível".
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Numa orientação divulgada esta sexta-feira, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) analisou os três tipos de informação que poderão ser recolhidos e tratados por profissionais que não sejam profissionais de saúde: medição de temperatura, realização de testes à covid-19 e rasteio de contactos.
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No caso da medição da temperatura, a legislação relativa ao estado de emergência permite que seja feita por qualquer trabalhador do estabelecimento a que se quer aceder: local de trabalho, escola, lar, prisão, bem como serviços ou instituições públicas, espaços comerciais, culturais ou desportivos e meios de transporte.
A dúvida sobre a proteção de dados levanta-se sempre que seja possível identificar as pessoas cuja temperatura é medida. E essa identificação, diz a CNPD, é possível sempre que haja um conhecimento pessoal (um cliente habitual de uma loja) ou haja um sistema de controlo com leitura de dados biométricos ou câmaras de videovigilância, com gravação das imagens.
O organismo liderado por Filipa Calvão admite que podem ser invocadas razões de interesse público para justificar o tratamento de dados de saúde por pessoas que não são profissionais de saúde. Mas com uma condição: "Indispensável é que esses trabalhadores estejam vinculados pelo dever de confidencialidade e que o procedimento a adotar após a deteção de que uma pessoa tem temperatura igual ou superior a 38ºC garanta a reserva sobre essa informação".
Testes de diagnóstico
O estado de emergência permite que qualquer pessoa seja sujeita a testes de diagnóstico da covid-19, se quiser entrar e permanecer em unidades de cuidados de saúde e cuidados continuados, lares de idosos, respostas sociais para crianças, jovens e pessoas com deficiência, estabelecimentos de educação, prisões e centros educativos ou a quem quiser entrar ou sair do país, por via área ou marítima.
Estes locais, salienta o organismo de Filipa Calvão, não integram o Serviço Nacional de Saúde nem têm como objetivo prestar cuidados de saúde.
"É evidente o impacto desta norma no direito fundamental à liberdade, na vertente de livre desenvolvimento da personalidade, bem como nos direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais", não só "pela intensidade da medida", mas também pelo facto de a lei não definir em que tipos de situação pode ser exigido o teste, lê-se no comunicado.
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A legislação, critica, é demasiado lata. "Não delimita as circunstâncias em que pode haver imposição de realização do teste, nem define quem recolhe a amostra para efeito de diagnóstico e quem analisa os resultados do teste" - uma omissão cuja "gravidade" a CNPD sublinha e é reforçada pela "ausência de previsão de medidas acauteladoras da privacidade", num contexto de "tendencial estigmatização e discriminação dos portadores do vírus".
A comissão acrescenta que "a restrição assim operada nos direitos, liberdades e garantias destas pessoas (...) assume uma tal extensão e intensidade que justificaria, sob pena de um juízo de desproporcionalidade, uma regulamentação cuidadosa e exaustiva".
Por isso, conclui, a realização de testes "pressupõe, pelo menos, a intervenção de profissionais de saúde e o respeito pelo sigilo profissional" e a garantia de que será salvaguardada "a discrição e a dignidade do tratamento da pessoa objeto dos testes".
Omissão "incompreensível"
Por último, o Governo quer que qualquer trabalhador - do setor público, privado ou social - que não esteja no normal desempenho de funções mas esteja em condições de trabalhar possa realizar inquéritos epidemiológicos, rastrear contactos de doentes e acompanhar pessoas em vigilância ativa. Estes trabalhadores podem ser, ou não, profissionais de saúde.
Aqui, a CNPD salienta a "sensibilidade dos dados pessoais" e o impacto possível do tratamento que lhes será dado, "em especial num contexto que é suscetível de gerar efeitos discriminatórios e estigmatizantes". E, de novo, aponta para a falta de detalhe da lei: é "incompreensível a omissão de previsão de medidas adequadas a salvaguardar a privacidade dos titulares dos dados", escreve a comissão.