Em causa direito das trabalhadoras dos shoppings de conciliar vida familiar e profissional. Decisões legais longe do consenso.
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Há lojas em shoppings a irem para tribunal contra mães trabalhadoras que exigem folgar ao fim de semana e não nos dias úteis, no âmbito do horário flexível a que têm direito por terem filhos até aos 12 anos a seu cargo.
As empresas querem que fique decidido que as funcionárias em causa não podem, a propósito daquele benefício, escolher os seus dias de descanso semanal. O objetivo será poderem contrariar pareceres desfavoráveis da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) à recusa do pedido das suas colaboradoras. A questão - que abrange ainda outras áreas de atividade - não tem sido consensual nos tribunais superiores.
A decisão mais recente foi proferida a 30 de junho pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pendeu para o empregador. Com dois filhos então com seis meses e dez anos e o marido a trabalhar por turnos em semanas alternadas e fins de semana, uma operadora de loja pediu, em 2019, para folgar aos sábados e domingos, de modo a poder conciliar a vida profissional e familiar. No requerimento, alegou que a creche que a criança mais nova frequenta só funciona de segunda a sexta-feira e não tem outros familiares a quem deixar o menino ao fim de semana.
Um mês depois, a CITE deu parecer desfavorável à intenção da empresa de recusar o pedido. O processo seguiu então para a Justiça, com esta a requerer que fosse declarado que a colaboradora aceitara o horário flexível e, por isso, não tem direito a escolher os dias de descanso. A empresa ganhou no Tribunal do Trabalho e, após apelação da ré, também no Tribunal da Relação de Lisboa.
No acórdão, os juízes desembargadores citam decisões no mesmo sentido proferidas a propósito de casos similares. A questão não é, porém, consensual.
Em novembro de 2019, por exemplo, o Tribunal da Relação de Évora decidiu, tal como a primeira instância, que o pedido de uma funcionária de um hipermercado para trabalhar entre as 9 e as 18 horas de segunda a sexta-feira, com uma hora de almoço, e folgar sábados e domingos, por não ter com quem deixar o filho de cinco anos ao fim de semana, se enquadra na definição de horário flexível prevista no Código do Trabalho. E sublinhou que não ficou provado que a implementação do regime solicitado pela trabalhadora poria em causa o funcionamento da loja, o que poderia justificar a sua rejeição.
Márcia Barbosa, do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), estima, falando ao JN, que 90% dos horários flexíveis solicitados por pais e mães nos shoppings estão relacionados com sábados, domingos e feriados. "Se for direto à empresa, 99% das vezes é recusado. As empresas portuguesas lidam muito mal com os direitos parentais", acrescenta.
A CITE é então chamada a intervir, mas, assegura a sindicalista, nem sempre um parecer favorável à pretensão do trabalhador é suficiente para resolver o processo. "Há muitas empresas a dissuadir os trabalhadores, a não deixar entrar nem picar cartão. Está a diminuir, mas existe", lamenta.
O JN contactou ainda a Associação Portuguesa de Centros Comerciais e a Associação de Marcas de Retalho e Restauração, mas nenhuma se quis pronunciar sobre o tema. Nos acórdãos, públicos, os nomes das lojas que interpuseram as ações e os das trabalhadoras visadas foram omitidos.
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Creches abertas ao fim de semana são raras
Em 2018, existia, em todo o país e segundo foi então noticiado por vários órgãos, apenas uma creche comparticipada pela Segurança Social (SS) a abrir ao fim de semana. O JN perguntou àquela instituição, no final de julho, quantas creches dispõem atualmente de financiamento da SS para abrir ao sábado e ao domingo, mas não obteve, até à hora de fecho desta edição, qualquer resposta.