Entre as capitais de distrito, Lisboa é a que mais recorre a este procedimento. Opção revela-se vital para as economias locais.
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O recurso ao ajuste direto é o mecanismo de contratação pública preferido da maioria das câmaras municipais de grande dimensão. Os dados do total dos ajustes referentes às capitais de distrito e Áreas Metropolitanas (AM) mostram que 57% das aquisições de 2022 foram por esta via. Especialistas avisam que a massificação do mecanismo pode lesar o interesse público.
Entre as capitais de distrito, a Câmara de Lisboa é a que recorre mais ao ajuste direto, segundo os dados do portal BASE consultados pelo JN. A capital também lidera a proporção de ajustes diretos na respetiva AM, a par do Barreiro, ambas com 72%. Na AM do Porto, é Valongo quem mais recorre a este regime, com 74% das 524 compras.
Em comparação com 2019 (último ano antes da pandemia e da lei que flexibilizou os ajustes diretos), o ano de 2022 representou um aumento da proporção de ajustes diretos na maioria das capitais de distrito.
Em parte, as exceções à lei criadas para a pandemia e, depois, para a execução dos fundos europeus, justificam o aumento. Contudo, são várias as entidades que têm alertado para a necessidade de maior concorrência, desde logo o Tribunal de Contas (ler entrevista na página 6). "É como eu ir comprar um casaco sem comparar com outras lojas que até podem ter um preço mais justo ou melhor qualidade", compara Karina Carvalho, diretora executiva da ONG Transparência e Integridade, para quem "a utilização massiva dos ajustes diretos pode ser lesiva do interesse público", pois a lei apenas prevê o recurso a este procedimento "em situações excecionais e de emergência".
Urgência imperiosa lidera
Karina Carvalho não compreende "como é que uma instituição pública não consegue prever mais de metade das compras que faz anualmente", como refeições ou transportes escolares, serviços de segurança e de limpeza. Defende, por isso, que a figura legal da "urgência imperiosa" - reinante no leque de 59 mil ajustes já realizados pelas câmaras municipais de Portugal este ano - devia ser "devidamente fundamentada e justificada".
Esta necessidade é corroborada por António Cândido de Oliveira, presidente da Direção da Associação de Estudos de Direito Regional e Local: "Não me choca o ajuste direto, o que me choca é que as câmaras não tenham os procedimentos nas páginas oficiais". O também professor catedrático jubilado de Direito defende que "as páginas deviam ter espaço para os contratos e justificações, em vez de só terem propaganda".
Miguel Ângelo Rodrigues, diretor do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho, estuda há vários anos a contratação pública e explica que muitas câmaras recorrem ao ajuste para apoiar a economia local: "Eles pensam "são os meus eleitores, pagam impostos aqui e, sempre que a lei deixar, é a eles que vou dar dinheiro a ganhar"". Se abrissem os processos à concorrência, acrescenta, "ganhariam sempre as empresas de Lisboa e Porto porque são as que têm economias de escala, portanto melhor preço e/ou qualidade". Além de que o autarca "seria politicamente acusado de comprar noutro concelho", afirma.
Aproveitam as exceções
Assim, muitos aproveitam as possibilidades que a lei permite e, em especial, os regimes de exceção, que são muitos e quase sempre existiram. "Neste momento temos a lei 30/2021, que é um regime paralelo ao Código [dos Contratos Públicos]", constata Miguel Lucas Pires, do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro. Até 2012 "houve regimes especiais para a Parque Escolar, iluminação pública e centros de saúde". Em 2020 foi o da pandemia e, agora, até 2026, o do PRR.