O grau de incapacidade de 88% atribuído a João do Couto Lopes, de 69 anos, da Maia, vale-lhe todos os meses 275,30 euros de prestação social para a inclusão (PSI).
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O antigo operário, agora reformado, faz parte da minoria que consegue ter acesso à prestação criada há cinco anos para compensar a reconhecida ausência de uma sociedade inclusiva, mas que se transformou num instrumento de combate à pobreza. O que seria um direito universal para cerca de 1,7 milhões de portugueses com alguma incapacidade só chega a 127 mil pessoas, menos de 7,5%.
"Estou a receber, porque tenho mais de 80% de incapacidade, senão não tinha direito", admite João Couto Lopes. As regras da componente-base da PSI - criada a 6 de outubro de 2017 para chegar a todos - apenas garantem a prestação aos portadores de deficiência com mais de 80% de incapacidade. Aqueles que têm entre 60% e 79% só têm direito à PSI se não trabalharem ou se o rendimento líquido do trabalho estiver abaixo dos 658,22 euros. Os restantes graus de incapacidade estão excluídos da PSI e o leque dos que ficam de fora é mais vasto.
Não incentiva o trabalho
Helena Rato, vice-presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, lembra que a componente-base da PSI foi criada para todos, mas estas ideias "foram desvirtuadas pela legislação" que transformou "um direito universal de cidadania numa ajuda caritativa". Ou seja, a associação defende que a componente-base do PSI não deveria estar sujeita à condição de rendimentos, pois, para isso, já existe o complemento da PSI.
Este complemento tem o valor máximo de 438,22 euros e destina-se a compensar as pessoas com deficiência que não têm rendimentos. Assim, um cidadão com incapacidade entre 60% e 79% que não trabalhe e não aufira de outros rendimentos tem direito a um máximo de 713,52 euros de PSI (o valor-base, acrescido do complemento). O mesmo cidadão recebe menos se trabalhar e tiver um rendimento de 660 euros líquidos, pois perde o direito à PSI na componente-base e complemento.
Há quem considere que esta perda é uma espécie de incentivo à preguiça. "Havia o compromisso de não penalizar essas pessoas para não desincentivar a procura de uma atividade profissional remunerada", conclui a dirigente.
"O salário mínimo aumentou e a PSI ficou estagnada. Quem aufere um bocadinho acima do salário mínimo já não recebe", constata Ana Sezudo, de 45 anos, da Amadora. Trabalha na área dos seguros e recebe PSI, mas só porque tem mais de 80% de incapacidade. "Sou uma sortuda", diz, com ironia.
O valor máximo da PSI foi atualizado poucos meses depois da sua criação, mas "há quatro anos que não mexe", acrescenta João do Couto Lopes. Segundo a Segurança Social, entre janeiro de 2018 e agosto deste ano, o número de beneficiários aumentou 71%. Passou de 74 006 para 126 826, contudo o valor médio da prestação só subiu 17%, de 264 euros para 309 euros (base mais complemento).
Acesso foi simplificado
No ano passado, o Governo constituiu um grupo de trabalho para simplificar o acesso à PSI. Segundo o Ministério da Segurança Social, este grupo desenvolveu os trabalhos "de julho a novembro de 2021". O novo modelo "está em vigor desde 2021", informou o ministério, sendo que a única diferença para o formato anterior é que a PSI "pode ser requerida através da plataforma Segurança Social Direta, facto que torna o processo de receção, tratamento e decisão mais célere". Os valores são os mesmos.
Pormenores
Abaixo dos 60%
Quem tem menos de 60% de incapacidade está excluído. Quem tem entre 60% e 79% recebe mediante os rendimentos. Com incapacidade superior a 80% ou mais, recebe sempre.
Trabalhadores
Quem tem incapacidade entre 60% e 79% só tem direito a PSI, se não trabalhar ou se o rendimento do trabalho for abaixo de 658,22 euros.
Invalidez
Quem tem pensão social de invalidez ou complemento solidário para idosos está excluído. A PSI também não pode acumular com a bonificação do abono de família para crianças e jovens deficientes ou com o subsídio por assistência de terceira pessoa.
Menores
Os menores de 18 anos só recebem 50% (137,65 euros) da PSI ou 85% (234 euros), caso esteja num agregado monoparental. Em 2017, no início da PSI, os menores ficaram de fora.
Mais de 55 anos
Os maiores de 55 anos só têm direito à PSI se a incapacidade de 60% ou mais tiver sido atribuída antes dessa idade. Se a incapacidade for declarada depois dos 55 anos, é excluído.
Mais em Lisboa e Porto
Um terço dos beneficiários é dos distritos de Lisboa (23 mil) e Porto (22 mil). O valor médio mais alto é pago nos Açores e o mais baixo é em Castelo Branco. Portalegre é o distrito com menos beneficiários.
Mais homens e nos 50
A faixa etária mais representada entre os beneficiários da PSI é a que vai dos 50 aos 59 anos, seguida dos 40 aos 49 anos. Há mais homens (51%) beneficiários do que mulheres (49%), mas por pouco.