Peritos apontam para fenómeno sem precedentes na Europa.
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A maioria das 49 vítimas dos incêndios de outubro do ano passado morreu durante a noite do dia 15 para 16, coincidindo com o período explosivo e de maior intensidade das chamas. A reconstituição, realizada pela Comissão Técnica Independente nomeada pela Assembleia da República, aponta para um fenómeno de gravidade extrema e sem precedentes na Europa. O relatório será entregue esta terça-feira no Parlamento.
O JN apurou que três fogos que deflagraram nos distritos de Coimbra, de Viseu e da Guarda galgaram a floresta e uniram-se num grande incêndio. As simulações técnicas, feitas pelo grupo de especialistas liderado pelo professor catedrático e antigo reitor da Universidade do Algarve, João Guerreiro, demonstram uma evolução muito rápida do fogo. A velocidade das chamas e a libertação de energia terão sido tão intensas que o incêndio tornou-se incontrolável em menos tempo do que na tragédia de Pedrógão Grande, onde morreram 65 pessoas em junho de 2017. Então, os peritos consideraram que o fogo em Pedrógão ficou incontrolável três horas após o alerta.
Embora a área geográfica atingida pelas chamas em outubro seja mais vasta do que no incêndio de Pedrógão, a situação agravou-se rapidamente. Pouco tempo depois de ter deflagrado, o fogo passou a incontrolável, o que significa que já não havia forma de combatê-lo, independentemente dos meios disponibilizados. Nesta situação singular, o único caminho é a adoção de uma estratégia defensiva e de proteção das populações, dificultada pela grande dispersão de habitações.
A avaliação da Comissão Técnica Independente, cujo mandato foi prorrogado pelos deputados em fevereiro, apontará no sentido de que a enorme área tomada pelas chamas dificultou as ações de proteção às populações. Recorde-se que os incêndios de outubro passado deixaram estragos em 32 concelhos das regiões Norte e Centro e causaram vítimas mortais em 15 municípios. Foram assistidos cerca de 70 feridos.
Redução de meios no terreno
Logo após esta segunda tragédia (quatro meses depois do incêndio de Pedrógão Grande), a capacidade de análise de risco do Governo foi questionada, assim como o desencontro entre os ministérios da Agricultura e da Administração Interna. Isto porque o ministro Capoulas Santos prolongou o período crítico dos incêndios florestais até 31 de outubro, enquanto o ex-secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, recusou, no final de setembro, o pedido de reforço de meios aéreos e terrestres da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
Apoiada nas previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a ANPC antevia um risco agravado de incêndio em outubro, nomeadamente no Norte e no Centro, o que se confirmou. Finda a fase Charlie (a fase mais crítica dos incêndios) a 30 de setembro, houve uma redução de 48 para 18 meios aéreos em operação - no dia 15 de outubro, apenas seis voaram devido às condições atmosféricas e, no dia 16, foram mobilizadas três aeronaves. Também se verificou uma diminuição no número de operacionais: passaram de 9740 para 6400.
Falta saber se a disponibilização de mais meios levaria a um desfecho distinto face à singularidade do fenómeno de outubro e ao facto de o período mais crítico ter sido à noite (altura em que as aeronaves não podem operar).