Número de espécies que chegam aos areais é superior ao que consta dos registos oficiais. Pesca sustentável considerada "urgente" para evitar captura acidental.
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Nos últimos seis anos, mais de dois mil cetáceos (2064), como golfinhos, baleias e cachalotes, encalharam na praia ou na orla do mar. A maioria chega morta ao areal e menos de 5% são considerados "arrojamentos vivos". Se arrojam é porque estão gravemente doentes e muitos morrem, apesar das tentativas de salvamento. Os dados são do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que coordena a Rede Nacional de Arrojamentos, criada em 1979. Os especialistas acreditam que o número de animais marinhos que dão à costa deverá ser muito superior ao registado oficialmente e pedem investimento na pesca sustentável.
"Embora, no passado, houvesse a vontade de documentar os arrojamentos de animais vivos e mortos, hoje há muito mais comunicação por causa das pessoas que estão na praia" e alertam as autoridades, justifica o biólogo marinho Hélio Vicente, que acrescenta não ser possível, por essa razão, comparar valores anuais. Em 2020, por exemplo, o ICNF dá conta de 574 arrojamentos. Um ano depois, o número baixou para os 261. Em 2022, pelo menos 276 cetáceos deram à costa portuguesa.
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"Não sabemos se há mais animais a dar à costa do que antigamente, porque os números do passado não eram fidedignos", acrescenta. O também diretor do centro de reabilitação de espécies marinhas do Zoomarine diz que até os valores atuais podem não corresponder à realidade. "Há mais comunicações de arrojamentos no verão" e existem animais feridos por barcos que morrem também em alto-mar, esclarece.
Recolhidos para estudo
Os animais vivos são assistidos pelas quatro equipas regionais da Rede Nacional de Arrojamentos, que se localizam no Norte, Centro, Alentejo e Algarve. Depois, os cetáceos, mas também as aves e as tartarugas marinhas, são encaminhados para dois centros oficiais de reabilitação, o Porto de Abrigo do Zoomarine e o Centro de Reabilitação de Animais Marinhos (CRAM) do ECOMARE, na Universidade de Aveiro. Os animais mortos são igualmente recolhidos das praias para investigação.
De acordo com os especialistas, são várias as razões que ajudam a explicar o arrojamento de animais marinhos. Mas a mais comum e com consequências irreversíveis é a "captura acidental em artes de pesca", esclarece Catarina Eira, diretora da unidade do centro de pesquisa e reabilitação de animais marinhos do ECOMARE. O ICNF diz ser a principal causa de morte no "caso específico das espécies golfinho-comum e boto".
Humberto Jorge, presidente da Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco, admite que os "danos irreparáveis causados nos animais" acontecem sobretudo nas redes de emalhar. Este tipo de método utiliza uma rede retangular, constituída por um, dois ou três panos, que ficam numa posição vertical e permitem capturar peixe ou crustáceos presos nas malhas.
O responsável da associação afirma que estão a verificar-se "mais acidentes porque há uma maior comunidade de golfinhos no mar" português. "A abundância de espécies como a sardinha ou a cavala perto da costa faz com que os golfinhos sejam atraídos pela alimentação e interajam mais com as artes de pesca", explica, acrescentando que os pescadores têm "trabalhado com maior consciência".
Apesar de existirem outras "pressões" relacionadas com o meio ambiente, como o lixo marinho ou o aquecimento dos oceanos, Catarina Eira adianta que a solução em Portugal para manter as populações de animais marinhos passa por "ajudar o setor pesqueiro a ter menos impacto na biodiversidade". "A pesca sustentável não é só o controlo de stocks de peixe", conclui.
2 golfinhos foram devolvidos à natureza pelo CRAM-ECOMARE em 2016 e 2021 após um período de recuperação. De acordo com o ICNF, os animais apresentavam "evidências consistentes com captura acidental em artes de pesca".
3700 quilómetros percorridos por uma tartaruga marinha desde que foi reabilitada e devolvida ao mar pelo Porto de Abrigo do Zoomarine, em julho do ano passado. Tinha um anzol cravado e foi resgatada por um pescador.