Número total de matrimónios abaixo dos 18 anos superior ao de 2020. PGR instaurou 19 inquéritos por união forçada.
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Desde 2017 foram registados 536 casamentos envolvendo pessoas com menos de 18 anos em Portugal. Desde o início deste ano e até 30 de setembro, o Ministério da Justiça contabilizou 85 matrimónios nesta tipologia. O ano de 2021 ainda não terminou e o número de casamentos com jovens sem maioridade já é superior ao registado em 2020 (79). O Governo tem em curso um grupo de trabalho para a prevenção e o combate aos casamentos infantis, precoces e forçados, que vai culminar na apresentação de um Livro Branco até ao final do ano.
Em Portugal, é possível casar a partir dos 16 anos, com o consentimento dos pais ou a autorização do tribunal. Para a delegação portuguesa da Unicef, presente no grupo de trabalho criado pelo Governo, "casar com menos de 18 anos é uma violação dos direitos da criança e não devia ser possível", considera a diretora de Políticas de Infância e Juventude, Francisca Magano.
Apesar de permitido, e "independentemente do que lhe chamamos" - casamento infantil ou precoce -, adiciona a responsável, a instituição das Nações Unidas para a proteção dos mais novos defende que ninguém, em qualquer país, com menos de 18 anos "devia casar". Estima-se que 650 milhões de raparigas no Mundo tenham casado antes da maioridade e dez milhões estejam em risco de ser sujeitas a um casamento infantil, devido à pandemia e como consequência do encerramento de escolas, da morte dos pais ou da crise económica.
Do legal ao crime
No período entre 2015 e o primeiro semestre deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou 19 inquéritos por casamentos forçados: dois aconteceram em 2021. Os dados podem "abranger outras situações", que não apenas as referentes a casamentos infantis, esclareceu a PGR ao JN. 2018 foi o pior ano, com cinco inquéritos. O casamento forçado é crime público desde 2015.
Parte do objetivo do grupo de trabalho é fazer "um levantamento da realidade", do que é crime, como o casamento forçado, mas também do que já é legal, ou seja, o casamento a partir dos 16 anos. Francisca Magano aponta que a prioridade passa pela "alteração do enquadramento legal": só ser possível contrair o matrimónio quando se é maior de idade.
Nos últimos cincos anos, com mais de 500 casamentos envolvendo menores, existem em média cerca de cem matrimónios deste tipo por ano em Portugal. Naquele período, o ano de 2019 é o que detém o registo mais elevado, com 135 casamentos antes dos 18 anos. No ano anterior, houve 124.
Menores emancipados
Um menor que case a partir dos 16 anos torna-se emancipado, o que significa que pode deixar de frequentar a escola, já que lhe cabe a si fazer a matrícula. Esta é uma das consequências mais graves para a Unicef. "A evidência tem demonstrado que as raparigas [menores que casam] não concluem a escolaridade obrigatória" até ao 12.º ano, comprometendo o acesso ao "trabalho digno".
Francisca Magano acrescenta que o grupo de trabalho, que reúne várias organizações e autoridades, não tem "medidas fechadas", para já. No entanto, há questões inevitáveis em cima da mesa, como uma maior articulação entre os serviços de Saúde e Educação para detetar casos de casamento precoce ou forçado. Entre as chamadas de atenção estão, por exemplo, as situações de gravidez na adolescência.
Denúncias
Proteção de Menores sem queixas
A linha de apoio à infância SOS Criança e a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) não receberam, nos últimos anos, qualquer denúncia ou queixa relativa a casamentos infantis. Em resposta ao JN, fonte do SOS Criança revela que, nas linhas referentes a "crianças em risco" ou "desaparecidas e/ou exploradas sexualmente", não registaram apelos quanto à problemática dos matrimónios envolvendo menores.
Também a CNPDPCJ "não têm registo individualizado deste tipo de situações", adianta Rosário Farmhouse, presidente da Comissão, em resposta enviada ao JN.
A responsável precisa que, no caso de uma criança/jovem em risco, "a CPCJ territorialmente competente (da área da residência da criança), abrirá um processo de promoção e proteção, com vista à sua cabal proteção e promoção dos seus direitos, o que passa também pela remoção da situação de perigo".
No passado dia 11 de outubro, quando se assinalou o Dia Dia Internacional das Raparigas, o grupo de trabalho do Governo, dedicado à prevenção dos casamentos infantis e forçados, lançou uma campanha de sensibilização para o público geral, bem como uma brochura para profissionais.
Casos
Abril de 2015
Duas mulheres e três homens acusados pelo Ministério Público de Aveiro do pela prática, em coautoria, de dois crimes de abuso sexual de crianças agravados. A menor de 12 anos casou com rapaz de 17 anos e engravidou duas vezes.
Março de 2017
Homem de 24 anos preso preventivamente por alegado envolvimento em desaparecimento de menor de 13 anos, em Ponte de Lima. Em tribunal, disse que tentou demover rapariga de fugir de casa dos pais.
Junho de 2019
Pai detido por agredir filha menor, de 14 anos, para a forçar a casar com rapaz menor, na Trofa. O homem esteve indiciado por prática de violência reiterada contra a jovem.
Setembro de 2021
Oito detidos, no total, por suspeita de raptar criança para forçar casamento com menor, na zona de Leiria. O caso foi desencadeado nas autoridades, após a família não aceitar o casamento da filha de 13 anos com um jovem da mesma idade.
Outubro de 2021
Dois homens condenados a 21 anos de prisão por matarem pai que tentou salvar menor de casamento forçado. O crime ocorreu em julho de 2019, em Foz Côa. As famílias tinham aprovado a "união", mas a rapariga arrependeu-se e pediu ajuda ao progenitor.
Números
393 jovens casaram entre 2016 e 2018, com 16 e 17 anos. Os dados foram revelados pelo Ministério da Justiça em 2019.
650 milhões de raparigas casaram antes dos 18 anos no Mundo, com realce para Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia e Nigéria.