Retoma da atividade nos cuidados primários está a ser suportada pelo atendimento não presencial. Médicos pedem equilíbrio e mais meios para responder aos pedidos de utentes.
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Nos primeiros seis meses de 2021, 59% das consultas médicas realizadas nos cuidados de saúde primários foram não presenciais. Os dados do Ministério da Saúde mostram que, do total de 18 275 056 consultas realizadas até junho deste ano, 10 799 165 foram feitas à distância, seja por telefone, email ou videochamada. A pandemia exigiu uma nova forma de acompanhar os doentes, sobretudo nos períodos de confinamento, mas os médicos e enfermeiros de família pedem agora um equilíbrio entre o presencial e o não presencial.
"O que se deseja é que os cuidados presenciais sejam tendencialmente superiores, no que é essencial", defende Diogo Urjais, presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN). Para os profissionais ouvidos pelo JN, a deslocação de um utente ao centro de saúde, cuja situação clínica exige contacto direto com o médico, deve continuar a ser prioritária.
A realidade não será tão fácil, como se desejaria. "Quando já é possível recuperar alguma da atividade assistencial, continuamos a fazer vigilância telefónica dos casos suspeitos e positivos e estamos na vacinação", adianta Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF). Para o médico de família, as tarefas acrescidas relacionadas com a covid-19, que ainda estão a exigir muito tempo, impedem a permanência dos profissionais "nos centros de saúde a fazer a atividade normal".
O maior peso das consultas não presenciais ajudou a alavancar a retoma gradual da atividade nos cuidados de saúde primários nos anos da pandemia. Os atendimentos à distância já representavam cerca de 50% do total de consultas até junho do ano passado. Face ao mesmo período, nos primeiros seis meses de 2021, houve mais três milhões de consultas sem a deslocação do utente.
Para Paulo Santos, presidente do Colégio de Especialidade de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos, os dois tipos de consulta devem ser "completamentares" e não a "alternativa" de uma face à outra. "As pessoas notaram que houve uma diminuição da acessibilidade normal aos cuidados de saúde primários", diz o também professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Os avisos na porta dos centros de saúde com o número de telefone ou o endereço de email foram necessários na primeira fase da pandemia e, no entender dos profissionais de saúde, deverão manter-se, seja para renovação de receitas médicas ou acompanhamento rotineiro de doentes crónicos.
No entanto, para a comunicação à distância funcionar, é preciso reforçar e melhorar os meios. "Não faz sentido termos equipamentos obsoletos que demoram cinco minutos a abrir um email", exemplifica Nuno Jacinto. O mesmo defende Paulo Santos, que regista "dificuldades enormes" na comunicação dos utentes com os centros de saúde, perante os "200 ou 300 emails" à segunda-feira a que as unidades têm de dar resposta.
SNS
Utentes sem médicos ou atendimento nos centros de saúde
Falar de teleconsultas ou atendimentos por telefone não é um cenário que se coloque em várias regiões do país, porque persiste um problema: a falta de médicos de família. É o caso de Benavente, no distrito de Santarém, e de vários concelhos à volta da Lisboa.
"Só temos uma médica de família no quadro, os restantes são médicos a contrato, que vêm fazer umas horas para evitar que isto não entre em rutura", explica Domingos David, coordenador da Comissão de Utentes da Saúde de Benavente, que se refere aos casos das freguesias de Benavente e Barrosa.
Quem tem possibilidades, recorre aos consultórios privados ou ao Serviço de Atendimento Permanente (SAP), que "funciona durante o dia como serviço complementar para os utentes que não têm médicos de família". Contudo, não é garantido que se seja atendido, duas vezes consecutivas, pelo mesmo médico. "O que traz menos qualidade ao acompanhamento", afirma Domingos David.
Centros a meio gás
Por Lisboa, o cenário não é igualmente animador. A região foi a que ficou com mais lugares por preencher no último concurso de médicos de família, com 102 lugares ocupados num total de 230 vagas abertas.
Cecília Sales, da direção do Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos (MUSP), refere que a pandemia terá agravado o problema. "Os centros de saúde estão a degradar-se", opina. Numa visita recente a uma unidade de saúde de cuidados primários, a dirigente viu um cenário a "meio gás", exemplificativo de que a retoma da atividade presencial não chegou a todos.