Governo falha meta de ter um médico dentista por município e adia para 2023. Há 132 gabinetes instalados.
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Mais de metade dos municípios ainda não tem gabinete de medicina dentária nos centros de saúde. Atualmente, a resposta de saúde oral nos cuidados primários cobre 111 dos 278 municípios do continente, ou seja, 40% dos concelhos, apesar da promessa do Governo de dotar, até 2020, todos os municípios com pelo menos um gabinete. A Ordem dos Médicos Dentistas fala em expectativas defraudadas.
Os dados foram enviados ao JN pelo Ministério da Saúde. De acordo com a tutela, a lista de territórios com cadeira de dentista nos cuidados primários tem vindo a crescer e, entre janeiro do ano passado e meados de julho deste ano, a resposta foi alargada a mais 25 localidades. Desde 2016, foram feitas 304 398 consultas (ver infografia ao lado).
De norte a sul do país, existem 132 gabinetes espalhados por 48 dos 54 agrupamentos de centros de saúde ou unidades locais de saúde. A região Norte é a que regista mais consultórios (56), seguindo-se Lisboa e Vale do Tejo (43), o Centro (15), o Algarve (14) e o Alentejo (quatro).
Há, assim, seis Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e Unidades Locais de Saúde (ULS) que não têm ainda consultório nos cuidados primários. São eles: ACES Cávado, ACES Cova da Beira, ULS Guarda, ULS Baixo Alentejo, ULS Litoral Alentejano e ULS Norte Alentejano.
O projeto-piloto para disponibilizar dentistas nos cuidados primários arrancou em 2016 em 13 unidades. Em 2018, com o mote "Saúde Oral para Todos", foi assinado um protocolo de colaboração entre o Governo e 65 municípios com vista ao alargamento do projeto. Tal como o JN noticiou na altura, o então ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, anunciou como metas dotar o país de, pelo menos, um consultório público de medicina dentária por concelho até 2020. Por sua vez, no ano passado, durante a inauguração de dois gabinetes em Valongo, Marta Temido atirou esse compromisso para 2023.
Médicos sem vínculo
Para a Ordem dos Médicos Dentistas, o programa para incluir dentistas nos cuidados de saúde primários "defraudou as expectativas". "Este projeto iria trazer justiça a uma falha que o Serviço Nacional de Saúde tinha durante os seus 40 anos de história, mas defraudou as expectativas ", criticou Miguel Pavão, bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, defendendo a reestruturação do programa e alertando ainda para as "condições precárias" de trabalho dos profissionais.
"Estamos a falar da subcontratação de empresas, onde os médicos dentistas não têm subsídios de férias e de Natal. Não têm regalias nenhumas e não têm vínculo nenhum. Isto é um descompromisso muito grande", lamentou.
Olhando para o número de consultas, é possível verificar um crescimento nos últimos cinco anos. Em 2016, foram feitos 4751 atendimentos de saúde oral, sendo que no ano passado houve quase 60 mil consultas realizadas. Neste ano, até meados de julho, houve mais de 43 mil consultas, num total de 21392 utentes.
De acordo com a tutela, desde 2017 que já não é preciso ser portador de uma doença para se ser referenciado pelo médico de família para os tratamentos de saúde oral. Atualmente, qualquer paciente inscrito no Serviço Nacional de Saúde é elegível, sendo que têm acesso aos tratamentos básicos de saúde oral, com exceção de reabilitação com prótese removível. Também não está prevista a realização de tratamentos de natureza estética.
Mais 25 concelhos
Entre janeiro do ano passado e meados de julho deste ano, passaram a contar com gabinete de medicina dentária os concelhos de Alijó, Armamar, Póvoa do Varzim, Vila do Conde, Gaia, Amarante, Felgueiras, Lousada, Pedrógão Grande, Porto de Mós, Proença-a-Nova, Montijo, Lisboa, Nazaré, Óbidos, Peniche, Cadaval, Albufeira, Olhão, São Brás de Alportel, Aljezur, Lagoa, Monchique, Silves e Alcoutim.
Imposto "coca-cola"
A Ordem dos Médicos Dentistas defende que 30% dos impostos sobre bebidas açucaradas (conhecido como imposto "coca-cola") deveria ser investido na saúde oral.
Entrevista
Aproveitar o PRR para reforçar e reformar a saúde oral
Que retrato faz da saúde oral em Portugal?
Se olharmos retrospetivamente, a saúde oral dos portugueses tem vindo a melhorar mas isso fica a dever-se aos profissionais do setor privado, do qual fazem parte 99% dos médicos dentistas no ativo em Portugal. Apenas 1% corresponde aos médicos dentistas do público. Diria que o Estado, ao longo da história do SNS, se demitiu de investir na saúde oral dos portugueses. Isso trouxe uma dicotomia: se a saúde oral está melhor, também há franjas da população que continuam bastante mal.
Quais deverão ser as prioridades do Plano de Recuperação e Resiliência?
A saúde oral continua sem uma rubrica no Orçamento de Estado. Não sabemos quanto investimos em saúde oral anualmente. Nesse sentido, todos os poucos programas que existem, nomeadamente o cheque dentista, acabam por subtrair a diferentes orçamentos de outras entidades. Com o PRR, deveríamos aproveitar esta oportunidade para reforçar e reformar. Não se devia perder a oportunidade de introduzir a carreira de médico dentista no SNS. Por outro lado, deveria ser uma oportunidade para criar as unidades de saúde oral.