O Governo não vai adotar, por enquanto, quaisquer restrições à água para consumo humano. Com 89% do território continental em situação de seca, apenas tomou medidas restritivas para regadio agrícola nos 34% que já se apresentam com seca severa ou extrema, nomeadamente nos distritos de Faro, Beja, Évora e Setúbal. Quando houver falta de alimentação para animais, admite que surjam apoios financeiros para os criadores.
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De acordo com o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, em abril de 2022 já tinham sido aplicadas "restrições à produção hidroelétrica em algumas barragens", já que as albufeiras estavam, por esta altura, com "65% da capacidade", enquanto este ano têm "80%". Atualmente, só há "limitações para uso agrícola", nomeadamente a partir da "Barragem da Bravura, no barlavento algarvio, e na Barragem do Monte da Rocha, no Alentejo". Nestas duas regiões também há "limitações a novas captações de água subterrânea".
Ressalvando que as restrições "salvaguardam sempre o consumo humano", o ministro destacou que "as medidas são graduais" e se, de acordo com a monitorização mensal que é feita às albufeiras, for registada a necessidade de mais limitações, "imediatamente serão tomadas mais medidas".
ajuda para agricultores
O Ministério da Agricultura esclareceu que "não tem, neste momento, reporte de situação extrema de falta de alimentação para os animais". Todavia, explicou que caso tal venha a ocorrer, o ministério liderado por Maria do Céu Antunes "está disponível para trabalhar com os produtores na procura de soluções". Estas poderão passar pela "disponibilização de recursos financeiros e alimento para animais, tal como já aconteceu no seguimento de outro tipo de catástrofes ou intempéries meteorológicas".
Em várias regiões do país há agricultores e criadores de gado a fazer contas à vida, conforme constatou o JN.
trás-os-montes - Gado sem pasto e amêndoa pequena
Os criadores de gado do Planalto Mirandês e os produtores de amêndoa do Baixo Sabor andam aflitos com o impacto da seca antecipada nas explorações agrícolas destas zonas do distrito de Bragança, onde os terrenos enfrentam um teor muito baixo de água no solo pelo segundo ano consecutivo. "Não há pastos porque a erva secou. As forragens não cresceram, mas já as estamos a cortar com a antecedência de mais de um mês para ver se conseguimos aproveitar alguma coisa", explicou Fernando Pimentel, produtor de ovinos na aldeia de Valcerto, em Mogadouro.
Agricultores e pastores tentam mitigar o impacto da seca, mas se continuar sem chover até ao verão, esperam-se consequências mais desastrosas. "Já gastámos o alimento armazenado e não estamos a colher outro", afiança Pimentel, proprietário de 160 ovinos. "Só tenho 15 fardos de palha, dá para 60 dias. Não sei como alimentar as ovelhas. Ou as vendo ou as deixo ir para o mato comer", lamentou.
Em Alfândega da Fé, António Romano, produtor de amêndoa, também faz estimativas por baixo. "Tenho sete hectares de amendoal, a maioria é de sequeiro e não tem regadio. A floração correu bem, as amêndoas formaram-se, mas sem chuva não crescem", contou, lembrando que já em 2022 a produção caiu 50%. António plantou 400 amendoeiras este ano e garante "que muitas estão perdidas por falta de água".
Os agricultores reivindicam ao Ministério o alargamento da declaração da situação de seca severa a esta região, para terem acesso a medidas extraordinárias.
beira interior - Pomares de cereja ameaçados
O auge da campanha da cereja na Cova da Beira, que coincide com o feriado do 10 de junho, está comprometido com a falta de precipitação.
"Sem chuva vai secar tudo", afirma ao JN Patrique Martins, produtor que tem 20 hectares de pomares, com cerca de 15 variedades de cereja, na Enxabarda, Fundão, cuja colheita se faz faseadamente. O problema "vai ser nas variedades intermédias, que vamos começar a colher na próxima semana, pois haverá dias que nem vamos colher". Explica que "as primeiras cerejas colheram-se no início de maio, e não correu muito mal, mas no início de junho haverá menos e os preços poderão subir".
A semana em que a temperatura esteve mais estável fez a diferença nas plantas em floração, pelo que "vamos tentar safar a campanha com as variedades mais tardias, que se colhem a partir de finais de junho".
Patrique Martins tem uma parte de cerejal em regadio, "o que implica ter água em abundância e, até agora, as charcas e reservas de água têm mantido a função", mas na parte do cerejal de sequeiro, "se não chover, vai secar tudo".
Num ano normal, Patrique colheria cerca de 80 toneladas, mas neste prevê ficar-se pelas 25 toneladas.
baixo alentejo - Produção de cereais totalmente perdida
A falta de chuva na primavera, na altura em que as culturas de sequeiro, em particular da aveia, cevada e trigo, mais precisavam, está a deixar desesperados os produtores de cereais, que dão como perdida a campanha deste ano. A situação é mais dramática em Almodôvar, Castro Verde, Mértola e Ourique, que "não têm água de Alqueva". A integração das terras na região do Campo Branco, classificada como Zona de Proteção Especial (ZPE), também limita.
António Aires, produtor de cereais, nomeadamente de aveia, com uma exploração de 220 hectares, em Rosário, Almodôvar, é a imagem do desalento. "As produções vão ser mínimas porque não choveu na primavera e as terras estão ressequidas. Ainda não foi feita qualquer colheita e não foi autorizada a ceifa, nem mesmo para aproveitar para forragem, por causa da avifauna e das limitações da ZPE", justificou.
O agricultor lembra que "houve um grande investimento e ao princípio tudo estava bem encaminhado, mas a falta de chuva deitou tudo a perder", acrescentando que é necessária a curto prazo a atribuição de "apoios diretos à produção, porque as candidaturas estão atrasadas e há dificuldade em aceder às mesmas", concluiu.
Prevista chuva entre os dias 22 e 28
A previsão meteorológica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera-IPMA está a prever para a semana de 22 a 28 de maio "valores acima do normal (1 a 20 mm)" de precipitação no continente. As temperaturas deverão registar "valores acima do normal a norte do sistema Montejunto Estrela (0,25°C a 0,2°C) e abaixo do normal para o Baixo Alentejo e Algarve (-1°C a -0,25°C)". Na semana de 29 de maio a 4 de junho, "espera-se a continuação do padrão da semana anterior".
Uma previsão alargada até 18 de junho revela "precipitação total semanal com valores abaixo e temperatura média semanal com valores acima do normal.
Tarifários conforme destino
O ministro do Ambiente defendeu que o país terá de "evoluir para a aplicação de tarifários inteligentes" para a água. Pretende-se que seja "diferenciado o consumo essencial do consumo para fins lúdicos, por exemplo".
Lei se as autarquias não conseguirem
Segundo Duarte Cordeiro, "essa responsabilidade é das autarquias", mas se o seu ministério perceber que existe "muita dificuldade das autarquias" para aplicar aquele tipo de tarifários, poderá "introduzir em lei a obrigatoriedade de diferenciação", pois é considerado "um aspeto central" para evitar os consumos excessivos.