O presidente da República lembrou, este sábado, que tem o poder de, "em todo o momento", pedir a fiscalização sucessiva da lei que regula o exercício de funções políticas e determina as situações de incompatibilidade. Marcelo Rebelo de Sousa recusou comentar o "caso concreto" que envolve o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, mas sublinhou que é preciso "ver o que se passa" de modo a evitar "generalizações".
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Questionado sobre se a sucessão de casos poderá levá-lo a dissolver o Parlamento, respondeu: "Espero que não". O Chega vai chamar Pedro Nuno ao Parlamento e, ao JN, o PSD admitiu fazer o mesmo.
Marcelo afirmou que, quando recebeu a atual lei, em 2019, ninguém duvidou da sua constitucionalidade. "Na altura, era o consenso e parecia-me sensato não estar a levar essa matéria ao Tribunal Constitucional", explicou o chefe de Estado, no Chipre. "Mas, como sabem, é uma questão que, em todo o momento, pode ser colocada em relação a qualquer lei", avisou.
Não dissolve o Parlamento
Interrogado sobre se pedirá a fiscalização sucessiva da lei, Marcelo não afastou a hipótese: "É uma questão que pode ser apreciada. Não ponderei", admitiu, falando sempre "no abstrato".
Ainda assim, apesar da sucessão de casos a envolver membros do Governo, o presidente realçou que o normal funcionamento das instituições não está em causa. A situação atual é "diferente" da que, em 2004, levou Jorge Sampaio a dissolver o Parlamento. Nessa altura, frisou, não havia "casos específicos", mas sim "problemas internos" do Governo "que afetavam o regular funcionamento das instituições".
PS nega que haja caso
André Coelho Lima, deputado do PSD, admitiu que o partido pode vir a chamar Pedro Nuno Santos ao Parlamento. "O PSD vai utilizar todos os meios aos seu dispor para clarificar esta situação", afirmou ao JN.
O parlamentar considerou que PS e Governo "têm, claramente, um problema com a lei das compatibilidades". Ainda assim, afastou a hipótese de pedir uma audição potestativa, uma vez que o PS "já disse que viabilizaria os requerimentos" que pudessem surgir.
No sábado, o líder do Chega, André Ventura, revelou que pedirá, "com urgência", que o ministro se explique ao Parlamento, defendendo que o negócio feito pela empresa de Pedro Nuno e do pai com o Estado "mancha" a credibilidade do Governo.
Embora os deputados possam solicitar audições a ministros, a Comissão de Transparência só se debruça sobre matérias relativas a deputados. É o Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, quem tem poder para fiscalizar governantes.
Ao JN, fonte parlamentar do PS garantiu que a bancada avaliará todos os requerimentos que chegarem. Na sexta-feira, no "Expresso da Meia-Noite", da SIC, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, afirmou que o partido "permitirá todas as audições que considerar pertinentes. Não tenho nada a opor, mas acho que não há caso nenhum", sublinhou. O deputado argumentou que o facto de Pedro Nuno ter uma quota mínima na empresa - de 0,5%, aos quais se somam os 44% do pai -, a lei "não se aplica".
O Ministério das Infraestruturas tem o mesmo entendimento, tendo remetido um parecer da Procuradoria-Geral da República, de 2019, que conclui pela inexistência de incompatibilidades.
Este sábado, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa - também acusada de uma incompatibilidade -, solidarizou-se com Pedro Nuno: "Não fujo nem abandono os amigos em momentos de dificuldades".
O que diz a lei
A lei das incompatibilidades estipula que as empresas "cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10%" por um titular de cargo político "ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços (...) em contratos com o Estado". Pedro Nuno Santos detém 0,5% da Tecmacal, que, este ano, fez um contrato público de 19 mil euros por ajuste direto. O pai do ministro tem 44% da empresa.