Dissolução do Parlamento limita medidas. Aplicá-las obriga a adiar eleições legislativas.
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A aplicação de medidas restritivas como o teletrabalho obrigatório ou o uso de máscara na rua não pode ser feita sem o estado de emergência. Apesar de vários especialistas defenderem mais medidas restritivas, a situação jurídica é complexa e o Governo está limitado na sua aplicação. Para que avancem, seria preciso adiar a dissolução do Parlamento e, consequentemente, as eleições, defendem três constitucionalistas ouvidos pelo JN.
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Para Jorge Miranda, o Governo "não pode aplicar medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias fora do estado de emergência". Nestas, incluem-se o uso de máscara na rua e em espaços públicos fechados, o teletrabalho obrigatório ou as restrições à circulação de pessoas entre concelhos. "O Governo não pode aprovar, só pode ser feito pela Assembleia da República", defende Vitalino Canas.
Na terça-feira, António Costa descartou a possibilidade de se aplicarem medidas que precisem do suporte legislativo do estado de emergência. Se esse cenário fosse colocado em cima da mesa, o presidente da República teria sempre de o decretar antes da dissolução do Parlamento, pois o estado de emergência tem de ser confirmado pelos deputados. "A partir do momento em que é dissolvido o Parlamento, a possibilidade de estado de emergência ou de sítio fica excluída", afirma Pedro Bacelar Vasconcelos.
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Por outro lado, se quisesse decretar o estado de emergência antes da dissolução, Marcelo Rebelo de Sousa teria de adiar as eleições, pois "a Constituição é muito clara" ao prever que "a dissolução não pode verificar-se na pendência do estado de emergência", garante Vitalino Canas.
margem curta
Perante esta encruzilhada constitucional, em que as medidas restritivas só podem ser aplicadas num estado de emergência que, para ser decretado, obrigaria a adiar eleições e a prolongar a crise política, os constitucionalistas defendem que podia ser equacionado o adiamento da dissolução.
As leis de bases da saúde e da proteção civil permitem a aplicação de algumas medidas, mas nenhuma que restrinja liberdades. Para Vitalino Canas, o Governo tem agora "uma margem consideravelmente menor" do que a que tinha nas outras vagas.
Frente a frente
Há razões para ficarmos preocupados face à recente subida dos casos de covid-19 e das mortes associadas em Portugal?
Gustavo Tato Borges, Ass. de Médicos de Saúde Pública
Temos razões para ficarmos muito alerta, não chega ficarmos debaixo da ação da vacina. Não estamos numa situação de alarme nem devemos ficar extraordinariamente preocupados, mas há que ter muita atenção e perceber que esta é a altura certa para mudarmos pequenas coisas do nosso dia a dia, de modo a não ficarmos ao sabor desta doença.
Pedro Simas, Virologista
Em Portugal, não. Temos quase 90% de população vacinada e as vacinas funcionam. A nova vaga não tem uma dinâmica pandémica - que é exponencial -, mas sim endémica. Não terá as consequências que teria se fosse uma vaga pandémica com uma população não protegida.
Há dados suficientes para se tomarem decisões já?
Gustavo Tato Borges, Ass. de Médicos de Saúde Pública
Sim. A mortalidade é baixa e ainda não há gravidade suficiente para medidas pesadas, como confinamentos. Não são precisas medidas drásticas, mas não devemos cingir-nos à responsabilidade individual.
Pedro Simas, Virologista
Há que explicar às pessoas o que é uma endemia: significa que há um determinado nível de infeções todos os dias, mas em equilíbrio com uma população protegida. Quando há pouco mais de mil infeções por dia, não fico preocupado.
Caso seja necessário tomar medidas, quais é que entende que devem ser tomadas? E em que altura?
Gustavo Tato Borges, Ass. de Médicos de Saúde Pública
Há dados suficientes para percebermos que podemos ter de voltar atrás no uso obrigatório de máscara em espaços fechados, que o teletrabalho pode regressar ou que a comparticipação de testes rápidos deve voltar a 100%. Estas medidas podiam ser tomadas no fim da reunião do Infarmed, mas duvido que isso ocorra. Penso que haverá um alerta à população e que o Governo só avançará se a tendência crescente continuar a verificar-se.
Pedro Simas, Virologista
Há que continuar a desconfinar, largar as máscaras e proteger os grupos de risco com máscara e vacina. É preciso não instalar o medo. É quase impossível que se repita o que aconteceu há um ano, quando Portugal foi o pior país da Europa por milhão de habitantes. A decisão de relaxar e de ignorar a ciência teve um custo humano gigantesco. Entretanto, usámos as vacinas e fomos um sucesso internacional, mas estamos a comportar-nos como se não tivéssemos sido.