Dos 435 lugares abertos para os centros de saúde, só vão ser ocupados 319 pelos especialistas. Profissionais pedem incentivos, numa altura em que a sua contratação marca o debate do Orçamento do Estado.
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Mais de um quarto (26,6%) das vagas abertas pelo Ministério da Saúde para os centros de saúde e unidades de saúde familiar para os novos médicos de família ficaram por preencher. Os dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) mostram que dos 435 lugares postos a concurso, apenas 319 foram ocupados.
Associação e sindicato dizem que são precisos mais incentivos para captar os profissionais e que os novos colocados não vão conseguir colmatar os lugares deixados vagos pelas aposentações. Até setembro, adianta a ACSS, aposentaram-se 217 médicos. A previsão para 2020, segundo o site do BI dos Cuidados de Saúde Primários, é para um total de 559 aposentações.
A contratação de médicos, entre outro profissionais de saúde, reveste-se de particular importância tendo em conta a pandemia de covid-19, mas também por ser uma das exigências dos partidos da esquerda para aprovarem o Orçamento do Estado (OE) para 2021.
Nem os jovens ficam
"No dia a seguir à aprovação do OE na generalidade, os sindicatos representantes dos médicos vão pedir reuniões a todos os grupos parlamentares", adianta Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), referindo-se também à Federação Nacional dos Médicos (FNAM). "É grave o Ministério da Saúde estar permanentemente a anunciar a contratação de médicos quando sabe que estes não são suficientes", sublinha. E mesmo os mais novos, que terminaram em abril a especialidade, a tutela "não tem sido capaz de os cativar" para permanecerem no Serviço Nacional de Saúde.
Roque da Cunha exemplifica com o facto de os médicos não serem aumentados "há 17 anos" e de os privados oferecem melhores condições de trabalho, bem como equipamentos e tecnologia.
Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, não fica surpreendido com os lugares vagos. Primeiro, porque a tutela abriu mais vagas do que o número de médicos que terminaram a especialidade (398).
Segundo, porque a demora no concurso aberto em agosto, que deveria ter ocorrido em maio, levou a que muitos tivessem procurado alternativas. Recorde-se que, no anúncio do concurso, o ministério disse que também pretendia cativar médicos que tinham ficado de fora dos concursos anteriores e os que emigraram.
A região de Lisboa e Vale do Tejo foi a que abriu mais lugares (216) e a que ficou com mais vagas vazias (75). Rui Nogueira explica que isso deve-se ao facto de "estarem a concurso o dobro das candidaturas naturais". Ou seja, só 120 a 130 médicos é que terminaram a especialização nesta região. O médico não afasta a hipótese de serem criados incentivos para as zonas urbanas, como foi feito para o interior. Mas diz que o mais apelativo para os profissionais são as condições de trabalho, como instalações e equipas.
Utentes sem médico voltam a passar o milhão
Em setembro havia 1 025 860 utentes sem médico de família. Muito provavelmente devido às mais de 200 aposentações que ocorreram desde o início do ano. Segundo a ACSS, a percentagem de utentes com médico atribuído, na mesma altura, era de 89,8%. Esta entidade sublinha que os novos médicos agora colocados vão permitir atribuir médico de família a 500 mil utentes, reduzindo este número. Em setembro havia 5617 médicos de família no SNS (não incluindo trabalhadores independentes/prestadores de serviços).
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83 milhões de euros
Até agosto o Estado gastou mais de 83 milhões de euros em prestação de serviços no SNS. No ano passado tinham sido gastos 118,8 milhões. O Governo promete baixar a verba no Orçamento de 2021.
Acordo com militares
Segundo Roque da Cunha, foi acordado com as Forças Armadas o aumento do número de médicos civis a fazer especialização nos hospitais militares.
Médicos desviados
A mesma fonte diz que 1700 médicos de família deixaram de atender utentes para estarem nas Áreas Dedicadas à Covid-19 (ADC) e a acompanhar os casos pela Trace Covid-19.
Novo concurso
A segunda fase de exames do internato em MGF terminou na quinta-feira. Espera-se que o concurso ocorra em novembro. Mas o número de vagas será inferior.