Estado encaixou menos 2% com as diversas taxas aplicadas ao setor, que vão desde a habitual licença nacional até às de emissão das cartas.
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Pela primeira vez nos últimos cinco anos, o setor da caça registou uma queda no volume de receitas de taxas impostas pelo Estado à atividade, que ultrapassam os 10 milhões de euros. Na época venatória de 2018 a 2019, que já acabou para a caça pequena mas que ainda tem um mês pela frente para quem pratica a grossa, o Estado encaixou cerca de menos 2% na tributação em relação a 2017/2018. Há um ano, as mesmas taxas tinham registado um aumento de 2,5% em relação ao ano anterior, a par do que vinha acontecendo desde 2013.
As associações de caçadores justificam este balanço com os custos muito elevados impostos a quem se quer manter na atividade e que afastam a possibilidade de uma renovação geracional dos praticantes. Além disso, falam também de processos administrativos altamente burocráticos para a emissão de documentos, que impedem que se consiga travar a queda na quantidade de caçadores.
Segundo dados fornecidos ao JN pelo Ministério da Agricultura, correspondentes à atividade até 11 de março de 2019, "o montante global resultante das licenças emitidas para a época venatória 2018/2019 é, até ao momento, de 5,8 milhões de euros". Em causa estão vários tipos de licenças, que vão desde a nacional até à regional passando por segundas vias, que no ano passado totalizaram 5,9 milhões de euros.
Crise impede retoma
O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), organismo que tutela o setor e está sob alçada do MAFDR, recebeu ainda 4,3 milhões em taxas das zonas de caça associativas (ZCA) e de caça turísticas (ZCT). No mesmo período da anterior época venatória, estas mesmas taxas foram fonte de 4,4 milhões de euros de receita.
A diminuição de um ano para o outro também se verificou na mesma dimensão em relação aos montantes provenientes das emissões de cartas de caçador, dos exames, inscrições, segundas vias e renovações: 280 mil euros.
Para João Carvalho, secretário-geral da ANPC (Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade), "os números não são reflexo de desinteresse na caça, mas o resultado da crise económica que afetou fortemente, e ainda afeta, quer caçadores, quer zonas de caça".
"Tem havido uma retoma do setor. Só que os custos acrescidos, que vão desde a renovação de uso e porte de arma até taxas de renovação, têm sido um desincentivo", disse, ao JN.
Vítor Palmilha, , presidente da Federação de Caçadores do Algarve, aponta ainda razões à "elevada burocracia". "Hoje em dia ainda se perde quatro dias de trabalho para tratar da carta de caçador e de uso e porte de arma", frisou.
Calendário
A atual época venatória - espaço temporal em que o Estado permite a prática da caça - começou a 1 de junho de 2018 e só termina em maio deste ano, nos terrenos ordenados. Nos não ordenados, foi de outubro a dezembro.
Diferenças
Em junho e julho de 2018 só foi possível caça grossa (javalis, veados ou corços). A caça pequena (aves e animais de pequeno porte, como coelhos) arrancou em agosto e já terminou em fevereiro. Desde então, estamos já nos últimos três meses só de caça grossa.
Caçadores são uma espécie em vias de extinção
Nuno Dinis, 38 anos, caça com arma de fogo há 20 e confessa que anda cada vez mais desiludido. Porque há cada vez menos animais para caçar, não vê investimento público no setor e os custos da atividade são cada vez maiores.
Este militar da Unidade de Trânsito da GNR de Vila Real tem o vício da caça desde os 14 anos. Começou por acompanhar familiares, mas sem arma. Aos 16 já caçava com falcões e com paus. Só aos 18 é que se estreou, finalmente, a dar ao gatilho.
Prefere a caça à perdiz e à codorniz, porque pressupõe percorrer o monte, muitas vezes grandes distâncias, mas também aprecia a caça grossa. Atualmente tem três caçadeiras. Uma foi herdada, outra é a primeira que comprou quando começou a caçar e a terceira é uma semiautomática, porque "às vezes dá jeito ter três tiros em vez de dois". Na caça ao javali utiliza uma carabina.
Entretanto, já pegou o vício à mulher. "Talvez para me acompanhar e não ficar sozinha passou, há três anos, a ir caçar comigo". Tem uma caçadeira que herdou do avô e também gosta de fazer o gosto ao dedo. Mas não ficou barato. Só no processo burocrático, que incluiu formação, licenças, taxas, entre outros, gastou "1100 euros".
Um cofre para cada um
Ora, Nuno Dinis queixa-se que a atividade cinegética está cada vez mais cara e compensa menos. "Gasta-se muito dinheiro". Quando começou, há 20 anos, tirava uma licença regional ou nacional. Hoje, "a licença, que custa 65 euros, não dá para nada". É que, "para poder caçar também tem de se comprar o dia". O custo de cada um varia "entre 10 e 15 euros". Se for sócio de uma associativa o dia custa "entre 2,5 e 5 euros", mas também "é preciso pagar uma quota anual".
Depois há a licença de uso e porte de arma (260 euros para iniciantes), os seguros das espingardas (depende do preço das mesmas, mas Nuno paga entre 75 e 120 euros anuais por cada uma), e dos cães (24 euros cada). Soma-lhe os custos com as vacinas dos animais, atestados médicos, registos criminais, entre outros.
Para caçadores experientes, "um ano de caça, e sem se esticar muito, fica à volta dos 500 euros". O valor não inclui cartuchos, deslocações, alimentação dele e dos cães, etc. Mais: "A minha mulher não pode guardar a arma dela no meu cofre. Tenho de ter dois (entre 100 a 300 euros cada).
Em suma, um desporto caro que "faz falta", sobretudo agora que "é preciso reduzir as populações de javalis, que já são uma praga que se está a aproximar das localidades". Em contrapartida, "não se vê investimento público no setor, nomeadamente em repovoamento de espécies". "A continuar assim os caçadores são uma espécie em vias de extinção", afirma.