Recreio é o principal palco da violência nas escolas. Diretores, dirigentes de associações e pais receiam possível aumento de casos, este ano letivo, após meses de ensino à distância.
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Desde a sua criação, a 30 de janeiro de 2020, o Observatório Nacional do Bullying recebeu 469 queixas, 62 das quais este ano. A maioria das agressões ocorre no recreio (60,4%) e dentro das salas de aulas (50,4%). Esta quarta-feira é o Dia Mundial de Combate ao Bullying, e diretores, Confederação de Pais (Confap) e associações no terreno alertam que este ano letivo pode ser "uma panela de pressão", após longos períodos em ensino à distância.
Matilde sofreu de bullying entre os seis e os 13 anos. Cresceu com a sua agressora, "S" (conforme lhe chama), que foi da sua turma do 1.º ao 9.º ano. Pelas excelentes notas e por ser "um pouco redondinha" foi "alvo de troça e crítica diária". A mãe sempre lhe disse para ignorar e nunca responder com violência física. Até um dia, em que, já no 7.º ano, e com 13 anos, "S" lhe disse, bem alto no recreio, que desejava a sua morte. A mãe decidiu que anos de violência verbal tinham de acabar naquele dia e Matilde, chamada à direção da escola, quebrou o silêncio. "S", quando confrontada, respondeu que não tinha explicação para o que fazia; disse que "gostava de ser como eu e isso lhe causava alguma raiva que não conseguia controlar", contou Matilde ao JN. Desde aquele dia, há cerca de quatro anos, que conseguem conviver.
De acordo com os dados do Observatório, o aspeto físico (51,8%) e os resultados académicos (34,9%) são os principais motivos apontados para atos de bullying. A violência psicológica é preponderante (92,1%).
mais a pedir ajuda
A metodologia da associação No Bully - que tem 90% de eficácia, garante Inês Andrade - foca-se na recuperação e integração dos agressores que não têm noção do sofrimento que causam por falta de empatia. Um dos erros mais cometidos pelos professores é, quando confrontados com uma suspeita de bullying, tentarem resolver a situação na turma e "a vítima não é capaz de se expor ou defender à frente de todos, nem deve ser obrigada a isso".
Paula Allen, do Observatório, considera que as escolas não estão melhor preparadas para combater o bullying. "Percebemos que as escolas funcionam muito por reação às situações que vão surgindo. O maior desafio é garantir que se consegue trabalhar os fatores potenciadores do bullying".
Os diretores defendem que têm mais técnicos, como psicólogos, mas admitem que a violência não acaba por despacho, nem por vontade das escolas.
Alunos regressaram às aulas presenciais, em setembro, felizes mas "mais ansiosos"
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores (ANDAEP) assume que os alunos regressaram às aulas presenciais, em setembro, felizes mas "mais ansiosos", tendo já registado maior procura do Serviço de Psicologia e Orientação, tanto por estudantes como por pais. "Não tenho dados estatísticos mas os casos, especialmente de falta de respeito pelos colegas e de os mais velhos usarem a idade e o corpo contra os mais novos, estão a surgir em catadupa", corrobora Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).
"É uma panela de pressão. Os jovens que tinham problemas de socialização vão estar piores e quem tinha problemas de autocontrolo, também estará mais frustrado", alerta Inês Andrade. "Este ano tem riscos acrescidos devido à maior instabilidade das famílias, pelo impacto da pandemia. Se não houver uma estratégia concertada podem aumentar os casos. Temos todos de estar muito atentos", reforça o dirigente da Confap, Alberto Santos.
Prevenção
GNR regista 64 crimes
Desde 1 de janeiro, a GNR registou 64 crimes associados ao bullying em contexto escolar. Este ano, a Guarda, no âmbito das suas competências em matéria de prevenção criminal, já realizou 1008 ações de sensibilização para quase 35 mil alunos do ensino básico em 422 escolas públicas e privadas.
Ocorrências a diminuir
"Bullying é para os fracos" é a operação da PSP para os alunos do 1.º ao 9.º ano. Desde o ano passado, a PSP realizou 600 ações de sensibilização para mais de 14 mil alunos de 350 escolas. No comunicado de ontem, e sem revelar números, a PSP disse registar, desde o ano letivo 2013/ 2014, uma diminuição "no número total e na gravidade das ocorrências criminais e não criminais reportadas em ambiente escolar". O "reflexo de um acréscimo das injúrias e ameaças".