Minúsculos no tamanho e curtos de renda, os apartamentos de área reduzidíssima são solução cada vez mais corrente para os problemas de carência habitacional em algumas das maiores cidades do Mundo. Portugal, para já, está longe de aderir a esta corrente.
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Dez metros quadrados. Pode parecer pouco - e é - para a área média de um apartamento, mas esta é uma solução cada vez mais procurada para quem não pretende gastar muito do orçamento em rendas. E que faz da habitação não um ponto de reunião familiar, mas somente espaço para dormir ao final de um dia de trabalho. São as microcasas, paisagem frequente nas cidades mais povoadas do Mundo. A moda ainda não chegou a Portugal, mas há países em que pegou de estaca.
Em Londres (Reino Unido, 8,1 milhões de habitantes) chama a atenção um prédio que se divide em 546 pequenos apartamentos. É um dos exemplos de microhabitação na capital britânica, onde o fluxo de população é crescente e a oferta escassa. Para tentar oferecer algo mais além de teto em área mínima, os promotores deste empreendimento projetaram um cinema comum, espaços coletivos de trabalho, até um jardim.
"Queremos criar uma rede global de espaços micro que não sejam somente um teto, mas onde possa existir sentimento de pertença e de amor", explicou, ao Financial Times, Reza Merchant, o proprietário do The Collective - assim se chama o complexo. Além de Londres, o empresário planeia inaugurar um conceito idêntico em cidades da Alemanha e em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA).
Melhor eficiência ambiental e aos baixos custos
Aqui, a defesa da opção por habitações de dimensão ultrareduzida levou mesmo à criação de uma corrente, a "Tiny House Movement" - Movimento Casas Minúsculas -, que nasceu depois da grande crise financeira de 2008 e ganhou força ao longo da última década. Surgido por iniciativa da arquiteta e escritora Sarah Susanka, os seus membros defendem as vantagens das microcasas em relação às habitações tradicionais, designadamente por questões ligadas à melhor eficiência ambiental e aos baixos custos. Com cada vez mais adeptos, o movimento tem espalhado palavra e ação pelos 50 estados dos EUA e pela Europa. Uma das maiores reivindicações é o direito à ocupação de espaços e a liberalização das leis, consideradas restritivas no que respeita à construção de microcasas.
Em Portugal, porém, os microapartamentos são ainda autêntica raridade. Porque não existem problemas de sobrelotação urbana como noutros contextos mundo fora e, também, por uma questão cultural.
Os portugueses sempre preferiram habitações com áreas consideráveis, nomeadamente nos chamados espaços comuns
"É uma solução que colocaria em causa a nossa história de cidade e o modo como encaramos o espaço casa. Os portugueses sempre preferiram habitações com áreas consideráveis, nomeadamente nos chamados espaços comuns, como a cozinha e a sala", assinala Paula Teles, engenheira especialista em temas ligados à mobilidade urbana.
Nem mesmo em Lisboa e no Porto são vistos como futura opção de habitação. "Até porque, ao contrário do que sucede em muitas cidades estrangeiras que se debatem com problemas de crescimento, por cá existem muitas zonas livres disponíveis para construção nova de raiz", lembra Paula Teles.
No entanto, houve quem tivesse antecipado o futuro e criado uma empresa que se dedica exclusivamente a construir casas micro. Foi o caso de João Neves, 53 anos, que a partir das Caldas da Rainha pensa "ideias minimalistas" para futura habitação de quem quer mudar de vida.
Entre o Douro e o Alentejo
"O projeto nasceu há oito anos, quando criei a MiniCasas Portugal, e foi crescendo gradualmente. A ideia é conceber casas até 15 metros quadrados, que contemplem tudo o que não pode faltar numa casa de dimensões regulares - sala de estar, cozinha, área de trabalho, quarto e banho", descreve João Neves ao "Jornal de Notícias". "A ciência é aproveitar bem os espaços", aponta.
Os pedidos têm chovido essencialmente de clientes portugueses, "pessoas que pretendem sair da cidade para áreas mais rurais". Desde o lançamento da empresa até à data foram concluídos cerca de 40 microcasas, "espalhadas do Douro ao Alentejo" e cujos preços oscilaram entre os quatro e os 15 mil euros. O material privilegiado é madeira, especialmente o pinho nórdico. "Porque se adapta melhor às características do nosso clima, ao contrário do pinho nacional, que levanta mais problemas ao nível da construção", explica.
População vs escassa oferta
É, portanto, em urbes onde a densidade populacional atinge picos insuportáveis no que à capacidade de resposta da oferta de habitação diz respeito que as microcasas são cada vez mais frequentes. Uma das cidades onde o fenómeno é mais evidente é São Paulo, no Brasil. Megacentro urbano com 12 milhões de habitantes - e outros 10 milhões na Área Metropolitana - São Paulo vive em contínuo e desalinhado crescimento populacional, não acompanhado pela escassez de parque habitacional disponível.
Como o espaço para construir é pouco e as soluções em altura estão praticamente esgotadas, aproveitar ao máximo cada espaço disponível tem sido a máxima dos últimos anos. Até ao final do ano será lançado um dos mais emblemáticos projetos do género. Chama-se VN Higienópolis, situa-se numa das zonas centrais da cidade, onde o problema da carência habitacional mais se coloca e é composto de dezenas de apartamentos com áreas que não ultrapassam os 10 metros quadrados e podem ser comprados por 70 mil reais (15,6 mil euros). "São os menores da América Latina", resumiu à BBC Alexandre Frankel, diretor executivo da Vitacon, a promotora do empreendimento.
Em Barcelona, Hong Kong ou Tóquio (ler caixas ao lado), os microapartamentos também já fazem parte do normal mercado imobiliário. Baratos, funcionais e geralmente em zonas centrais são remédio eficaz na luta contra o excesso populacional.