A nova coordenadora do BE comprometeu-se, no discurso de vitória, a impedir que a Direita conquiste uma maioria que lhe permita pôr em prática a sua "ânsia de vingança". Mariana Mortágua deu conta do "orgulho" que sente no percurso do pai, o resistente antifascista Camilo Mortágua, e agradeceu à irmã, Joana, por a ter convencido a entrar no partido. Acusou ainda o "pântano" da maioria absoluta de levar à "corrosão" da democracia e prometeu lutar por uma "vida boa" para todos. Acabou a intervenção ovacionada de pé.
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"Não aceitamos que viver pior seja o nosso destino", afirmou Mariana Mortágua, no encerramento da XIII Convenção do BE. "Temos o direito, e até o dever, de lutar por uma vida boa", frisou. A referência à "vida boa" ocorreu depois de a expressão ter sido várias vezes criticada pela moção E, que a considerou pouco clara e desvinculada do socialismo.
Por "vida boa", a nova líder bloquista entende "uma vida que não seja consumida num esforço inglório pelos mínimos dos mínimos: uma casa, salário decente, ter cuidados". Dito isto, questionou: "É exigir demais?".
Ao longo do discurso, Mortágua desferiu repetidos ataques ao Governo e à Direita. E se, no seu entender, PSD, IL e Chega crescem com a "política do ódio", é o Executivo o responsável pelo disseminar desse sentimento: "O desgaste da vida democrática não é só provocado pelos arruaceiros que gritam contra ela. É criado por quem descredibiliza a República, com embaraço atrás de embaraço", atirou.
A deputada acusou o Governo de "festejar triunfos que são um tormento" para os portugueses. "Os salários e as pensões ficam mais pequenos mas o Governo pede-vos que agradeçam o excedente orçamental", criticou, lembrando que há, no país, "milhões de pessoas presas na dívida da casa", nos baixos salários ou na precariedade. Essas, sim, são algumas das questões "essenciais" a que a Esquerda deve responder, considerou.
"Ser a terceira força" nas europeias
O atual cenário político é, no entender da nova coordenadora bloquista, propício a que a Direita e a extrema-direita floresçam. "As sementes do ódio estão aí. Há, na Direita, uma ânsia de vingança contra os trabalhadores, de desprezo pelos pobres, de regressão nos direitos conquistados", alertou Mariana Mortágua.
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"A Direita, que bebe do ressentimento e da angústia de problemas reais, é a primeira a querer impor medidas contra o povo, a apoiar a especulação imobiliária, os interesses da banca e a venda ao desbarato dos recursos do nosso país", insistiu, deixando uma promessa: "Combateremos essa Direita, impediremos que tenha maioria para impor o seu programa".
Essa luta começará a ser travada já na preparação das eleições para o Parlamento Europeu, que terão lugar em junho de 2024. O primeiro grande objetivo enunciado por Mortágua - ou segundo, se se incluírem as eleições da Madeira, em setembro -, é fazer do BE "a terceira força" nas europeias, superiorizando-se a Chega e IL.
Mariana Mortágua deixou nova mensagem a esses partidos, bem como ao PSD: "Portugal não será o país onde espancam imigrantes nas fronteiras e em que se multiplicam Odemiras", garantiu.
A deputada assegurou ainda que o país não ficará sem serviços públicos de saúde e de educação, "como propôs o Chega", nem classificará como "empresário" um "imigrante explorado que pedala de mochila às costas". O BE continuará ainda a bater-se pelo fim da discriminação segundo a cor da pele, as crenças ou a orientação sexual.
Governo só quer saber do "dramalhão do ministério"
Mariana aludiu também aos tempos da geringonça, para dizer que o PS "sempre a quis dispensar". E, com o fim dessa solução governativa, instalou-se um "poder absoluto" gerador de "incertezas" e que "só parece preocupado em sobreviver ao dramalhão do 4º andar do ministério", ironizou, numa referência ao episódio a envolver o ministro das Infraestruturas, João Galamba.
Neste quadro, a bloquista salientou a necessidade de a Esquerda não desistir de ser "exigente", sob pena de ficar reduzida à condição de "biombo de sala" ou de "cravo na lapela". E, para Mariana Mortágua, essa exigência passa por controlar os preços das rendas da habitação, reforçar serviços públicos e salários, combater a precariedade e dotar a transição energética dos "recursos necessários".
Ao PS e à Direita, deixou novo "recado muito franco": "Já nos conhecem, é verdade. Mas não viram nada da força que vamos saber recriar, reinventar, reconstruir, unir", garantiu. Ainda assim, ressalvou que, para ter sucesso, a estratégia do BE terá de se centrar no que é fundamental para as pessoas.
"Orgulho" no pai, agradecimentos à irmã Joana e abraços ao PS
Mortágua começou por agradecer a confiança dos delegados da convenção, que fizeram eleger a sua moção A com 439 votos, contra os 78 da moção E de Pedro Soares. "Se escolheram contar comigo, mesmo sabendo que teremos de lidar com as perseguições da extrema-direita e de um magnata da comunicação social, então vamos a isso. Que essa gente sem escrúpulos saiba que este partido não se cala perante o abuso e não se encolhe perante a intimidação", desafiou.
A líder do BE também disse ter aprendido o seu "compromisso militante" com a "garra alentejana" (nasceu no Alvito há quase 37 anos), agradecendo, depois, à sua irmã gémea Joana - também deputada - por a ter feito ingressar no partido. "Foi a Joana que me convenceu que no BE encontraria gente como eu, que acha que a vida vale a pena quando lutamos por aquilo em que acreditamos", revelou.
Mariana deu ainda conta do "orgulho" que sente no pai, Camilo Mortágua, e nas pessoas que, como ele, lutaram pela liberdade "quando tudo era treva". "Herdámos do nosso pai uma memória de resistência contra a ditadura. Bem sei que vemos hoje alguns vampiros que querem resgatar o ódio salazarento e que, para isso, tentam enxovalhar essa geração que os derrubou no passado", atirou.
Mariana reservou também algumas palavras de agradecimento para Catarina Martins: "Desde o primeiro dia, provou ser a melhor de todas nós", elogiou. Com Catarina, o BE fez "o que muitos achavam inviável", desde à reversão dos cortes da 'troika' até à luta pelo SNS.
Após o final do discurso, a nova coordenadora do BE falou com os convidados dos vários partidos que se fizeram representar na convenção - todos, à exceção de Chega e IL. Cumprimentou com beijos a delegação do PS, composta pelo secretário-geral adjunto, João Torres, pela deputada e ex-ministra Marta Temido e pelo secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes.