Único adversário admite que só se candidata para forçar debate. Geringonça e Ucrânia serão temas quentes.
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A um mês de completar 37 anos, Mariana Mortágua prepara-se para ser a coordenadora mais jovem da história do BE, sucedendo a Catarina Martins. O desfecho da XIII Convenção do partido, que decorre sábado e domingo, não oferece surpresas, até porque Pedro Soares - porta-voz da única lista adversária - admite que não se apresenta para ganhar e sim para forçar o debate: exige uma "autocrítica" pelas opções que levaram a derrotas nas urnas, quer discutir a relação com o PS e critica a posição do BE sobre a guerra da Ucrânia.
O conflito no Leste promete ser tema forte, já que, em declarações ao JN, Pedro Soares, da moção E, o considera um assunto "central". Já Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do partido e apoiante da moção A, acusa o adversário de ter posições "infelizes" sobre a guerra.
Mariana Mortágua - que preferiu manter-se em silêncio - representa a continuidade e tem via aberta para a liderança. Será a coordenadora mais jovem dos 24 anos de história do BE, superando Francisco Louçã (tinha 43 anos quando co-fundou o partido), João Semedo (foi líder aos 61 anos) e Catarina Martins (aos 39).
Deputada desde 2013, Mortágua possui conhecimentos nas áreas da economia e finanças que já foram elogiados até por adversários políticos. Enquanto líder, terá a missão de aliar às valências técnicas à capacidade para revitalizar o BE - que, desde a criação da geringonça, em 2015, caiu de 19 para cinco deputados.
Tem um longo percurso no Parlamento, onde se estreou aos 27 anos. Ganhou notoriedade com as suas intervenções no âmbito do caso BES. É o rosto mais mediático do BE e é vista como sendo próxima de Louçã, com quem já escreveu livros.
Novo acordo com o PS?
Na política interna, os críticos prometem questionar a atitude face ao PS, exigindo saber se a direção quer ou não uma nova geringonça. Da parte da moção de Mortágua, Pedro Filipe Soares responde que o "determinante" é o BE ganhar "mais peso na mobilização social", pois só assim conseguirá "mais liberdade tática".
No entanto, pela moção E, Pedro Soares insiste que os partidários de Mortágua nada dizem sobre alianças: "A futura direção está disponível para novos compromissos com o PS? E em que base isso poderá ser feito?", questiona, salientando que a moção A não dedica "uma linha" à análise do que tem corrido mal. A moção E acusa a direção de "excessiva proximidade ao PS" e de, em 2019 e 2022, ter feito campanha em torno de uma nova geringonça, menorizando o próprio programa.
Pedro Filipe Soares responde dizendo que esses argumentos são mais de "retórica" do que de "conteúdo": "Em vários momentos, quem propôs novos acordos com o PS foram membros da moção E", contrapõe.
O líder parlamentar do BE explica o desaire de 2022 como sendo fruto da "chantagem enorme" feita pelo PS, aliado a Belém, após o chumbo do Orçamento do Estado. Acredita que muitos dos que votaram PS não queriam uma maioria absoluta e diz que, hoje, é mais fácil perceber-se que o BE estava certo ao não ceder a Costa e ao denunciar a degradação do Estado Social.
Foi deputado por Braga e é porta-voz da moção E, crítica da direção. Recusa assumir que será ele o candidato - diz que só se decidirá na convenção - e admite que não pensa em ganhar: quer forçar o debate e pedir explicações pelos resultados.
"Populismo" na guerra?
Sobre a Ucrânia, Pedro Soares considera a invasão "absolutamente condenável" e exige a retirada das tropas russas. Mas também censura o Ocidente por "parecer ter tirado a paz do léxico" e não entende que a deputada Isabel Pires tenha integrado a delegação parlamentar que, recentemente, visitou o país.
O crítico alega que a viagem só serviu para "dar o beneplácito" ao prolongamento da guerra e diz que podem estar em causa os "fundamentos históricos e políticos" do BE: "Se faz isto por medo de perder votos, chama-se populismo".
Já Pedro Filipe Soares defende a pertinência da viagem e acusa a moção de "dualidade de critérios": o direito à autodeterminação é "inviolável tanto na Palestina como na Ucrânia".
Outros temas
Moção A é dominadora
A moção A, de Mortágua, elegeu 81% dos 654 delegados à convenção, tendo a moção E (de Pedro Soares) ficado com 14%. Os restantes 5% ficaram dispersos por várias plataformas que não disputam a liderança.
Méritos de Mortágua
Pedro Filipe Soares (moção A) elogia Mortágua: "Conseguiu, por mérito próprio, uma projeção mediática incontornável", através do "confronto com a elite instalada" do país.
Críticas à direção
Pedro Soares (moção E) acusa a direção de estar a acentuar "uma certa ostracização" dos críticos. Diz que Mortágua apresenta propostas "vagas".
Do estado de graça da gerigonça à crise eleitoral
Catarina Martins foi a primeira mulher da ainda curta história do BE a liderar o partido, sucedendo ao fundador Francisco Louçã. Chegou ao cargo em 2012, exercendo-o com João Semedo até que, em 2014, a doença obrigou o ex-deputado a afastar-se. Nas legislativas de 2015, Catarina Martins atingiu o estado de graça: reforçou o número de deputados do BE de oito para 19 e co-criou a geringonça. Mas, nos anos seguintes, os maus resultados eleitorais sucederam-se, precipitando a sua saída.
Quanto se tornou coordenadora, Catarina tinha 39 anos e só estava no BE há três. Natural do Porto, atriz e formada em Línguas, era menos mediática do que nomes como Pedro Filipe Soares ou Ana Drago (que, entretanto, deixou o BE).
Em 2015, com António Costa e Jerónimo de Sousa, foi um dos rostos da criação da geringonça, solução inédita. Em 2020, o BE votaria contra o Orçamento do Estado e, a partir daí, a relação com Costa tornar-se-ia tensa. Esta semana, anunciou que deixa o Parlamento em junho, por não fazer "muito sentido" manter-se em funções não sendo líder.
Em 2019, o BE manteve os 19 deputados mas perdeu 50 mil votos; em 2022 caiu de 19 para cinco parlamentares. Nas presidenciais, Marisa Matias caiu de 10% (2016) para 4% (2021).