Centros públicos sem resposta para mulheres saudáveis que querem fazer criopreservação do potencial reprodutivo. No privado pode custar cinco mil euros.
Corpo do artigo
Os bancos públicos de procriação medicamente assistida (PMA) não fazem criopreservação de ovócitos a mulheres saudáveis que pretendem adiar o projeto de maternidade. Não há qualquer impedimento legal, mas a falta de capacidade de resposta destes serviços, instalados em hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), leva a que a prioridade na criopreservação do potencial reprodutivo seja dada a mulheres com doença, nomeadamente oncológica.
Em 2018, segundo o relatório do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida publicado em julho deste ano, foram registados 640 atos de criopreservação de potencial reprodutivo (espermatozoides, tecido testicular e ovócitos), dos quais 399 nos bancos públicos e 241 nos privados. Do total nacional, 324 criopreservações foram realizadas por motivo de doença oncológica, 193 por doença não oncológica e 223 sem doença. Nestes últimos, 174 foram criopreservações de ovócitos, das quais apenas sete foram realizadas nos bancos públicos. Mas nem estas contemplam casos de adiamento da maternidade, por razões pessoais ou profissionais. Respeitam, por exemplo, a casos em que há suspeita de tumor maligno nos ovários que depois não se confirma ou de mulheres em tratamentos de PMA com os parceiros fora do país por longos períodos, explica Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR).
Desde agosto de 2016 que a lei determina que "as técnicas de PMA podem ser utilizadas por todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade", mas afinal não é para todas, pelo menos no SNS.
"Esta criopreservação dita social não está prevista nos centros públicos, apenas nos privados", garante o responsável. A limitação existe, porque os centros públicos não têm resposta capaz para as mulheres doentes que querem preservar ovócitos para tentar engravidar mais tarde, quanto mais para as saudáveis. Para estas, a única opção é recorrer aos privados e "não está ao alcance de todos". O procedimento custa cerca de três mil euros, montante ao qual se somam outros dois mil euros para posterior utilização dos ovócitos.
Não é garantia de gravidez
Ainda assim, todas as mulheres devem saber que as dificuldades em engravidar aumentam à medida que os anos passam e que, quando perspetivam dificuldades em avançar com um projeto parental, podem criopreservar ovócitos para usar mais tarde, defende Pedro Xavier. Sensibilizar para o problema e informar sobre as alternativas foram as razões para a SPMR dar patrocínio científico à nova plataforma online "Quando estiveres pronta".
Embora não haja uma idade ideal, a questão deve ser ponderada entre os 32 e os 37 anos, "porque são idades em que as mulheres percebem que terão dificuldade em concretizar o projeto parental a curto prazo" e aproximam-se de uma fase em que a quantidade de ovócitos diminui. Pedro Xavier deixa o alerta: criopreservar ovócitos não é garantia de gravidez no futuro. "As taxas de sucesso andam nos 50%. Metade pode nunca conseguir engravidar".
Proposta
Para reduzir espera é preciso investir nos centros públicos
O grupo de trabalho, criado para apresentar soluções para os centros públicos de procriação medicamente assistida e para o Banco Público de Gâmetas, apresentou em maio um relatório com propostas, mas, cinco meses depois, ainda não se conhecem decisões nesta área. Ao JN, o Ministério da Saúde respondeu que "o relatório sobre a avaliação do alargamento dos programas públicos de PMA está, neste momento, em análise".
O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR), que faz parte do grupo de trabalho, adiantou que as propostas para o Banco Público de Gâmetas, cuja atividade está estagnada, passam por "um maior investimento financeiro nas instalações, em equipamentos e recursos humanos para promover as doações". Também os centros públicos de PMA precisam de investimento para que possam melhorar a resposta, acrescentou Pedro Xavier.
Atualmente, os centros do SNS têm uma lista de espera de três anos para quem precisa de recorrer a gâmetas doadas. Para os tratamentos sem recurso a doações, "as listas de espera estão em quase um ano e meio em todos os centros e, sem investimento, não se perspetiva que venham a diminuir", diz o presidente da SPMR. Face a estes números, muitos casais desistem, porque não têm condições para recorrer ao privado, acrescenta.
Saber mais
399 atos de preservação
do potencial reprodutivo feitos no SNS em 2018. Daquele total, 300 beneficiários eram homens, 97 eram mulheres e dois eram transgénero.
Quem pode recorrer?
Pessoas que possam vir a enfrentar problemas de fertilidade no futuro, nomeadamente doentes oncológicos ou com outras doenças graves; mulheres com necessidade de cirurgia que comprometa as funções ovárica e/ou uterina; situações de mudança de sexo; mulheres sem projeto reprodutivo imediato; homens com ocupação associada a riscos para a reprodução ou antes de uma vasectomia, entre outros.