Mulheres que denunciaram assédio no CES querem "medidas de reparação individuais"
O coletivo de mulheres que denunciou casos de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais (CES) quer reunir-se com a direção da instituição, a "curto prazo", para discutir "medidas de reparação individuais".
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Numa carta aberta enviada às redações, as denunciantes escrevem que o relatório da Comissão Independente, apresentado na passada quarta-feira, "virou a página do negacionismo do assédio e do abuso de poder". De recordar que aquela comissão foi constituída em agosto do ano passado, para averiguar os casos de assédio sexual e moral no CES. Várias mulheres acusaram publicamente, em abril do ano passado, Boaventura de Sousa Santos e outros membros da instituição de "condutas sexuais inapropriadas". Apesar do pedido de desculpa público do CES, o coletivo representado pela advogada brasileira Daniela Felix afirma que há "lacunas".
A título de exemplo, o grupo de dez mulheres - a que se juntaram nesta carta aberta a ativista Moira Millán e as investigadoras Miye Nadya Tom e Lieselotte Viaene - aponta que a direção do CES deveria emitir "uma nota de reconhecimento" ou um "pedido de desculpa público" a repudiar os processos de difamação instaurados a algumas das denunciantes. Para além disso, o coletivo diz ser necessário um "compromisso firme para com as mulheres que enfrentam diversos factores de discriminação", como as mulheres indígenas.
Uma das exigências das denunciantes é a organização a "curto prazo" de encontros com a direção do CES, de forma a "discutir medidas de reparação individuais". Embora, no documento, não haja pormenores de que tipo de medidas possam estar em causa e que estão dependentes da análise de cada caso. As reuniões só seriam realizadas com as mulheres que se mostrassem disponíveis.
Também a Universidade de Coimbra, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e as autoridades judiciais são instadas a pronunciar-se sobre os resultados da Comissão Independente. Após uma "análise jurídica" ao relatório, o coletivo admite que irá fazer chegar as denúncias às várias entidades, onde se inclui o Ministério Público, a quem pedem uma "investigação" para apurar "condutas criminosas".
"Processo sério" de responsabilização
Nas exigências descritas na carta aberta, divulgada esta quarta-feira, são incluídos os visados pelas denúncias, nomeadamente o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, o investigador Bruno Sena Martins e a investigadora coordenadora Maria Paula Meneses. Nenhum nome foi identificado no relatório da Comissão Independente. No entanto, o coletivo aponta ser preciso um "processo sério de responsabilização das pessoas envolvidas nos atos de assédio moral e sexual, abuso de poder e extrativismo intelectual".
As denunciantes pedem que sejam instaurados "imediatamente" processos disciplinares contra Bruno Sena Martins e Maria Paula Meneses e ambos sejam suspensos de funções. Quanto a Boaventura de Sousa Santos, o grupo exige que seja encerrada a "auto-suspensão" do sociólogo, pedida pelo próprio enquanto decorria o processo de averiguações das denúncias, e que seja a direção do CES a afastá-lo da instituição. "A suspensão deve ter em conta a proteção de estudantes de doutoramento e investigadoras/es subordinadas a este professor", lê-se na carta aberta divulgada esta quarta-feira.
Para o coletivo representado pela advogada brasileira Daniela Felix, deve ser apurado o "grau de envolvimento" de outros membros do CES em "práticas de encobrimento de atos de assédio e abuso do poder". Uma das conclusões do relatório da Comissão Independente revela que uma minoria dos acusados afirmou que o assédio na instituição era do conhecimento geral. As 13 mulheres, que assinaram a carta aberta, dizem que o centro de investigação deve garantir que "nenhuma das pessoas" diretamente envolvida nos casos de assédio e de abuso de poder "tenha o contrato de trabalho renovado pelo CES".
Apesar de elogiarem o trabalho da Comissão Independente, as denunciantes consideram que ficou trabalho por realizar, como uma análise ao fenómeno do "extrativismo intelectual", que incluiu a "violação abusiva" de direitos laborais e a "apropriação de trabalho intelectual", afirmam. Para tal, pediram à Comissão Ética do CES para agir, abrir um canal para denúncias e reunir com a Comissão Independente. O leque de pedidos abrange também a Assembleia da República e os partidos políticos, a quem propõem "mudanças legislativas" sobre a prescrição e a denúncia de crimes, como o assédio sexual e moral.