Projeto de inclusão social põe idosos a pintar murais há uma década, em Lisboa e outras cidades nacionais e de outros países. Desmistificar a ideia de que os grafítis são só para jovens é uma das missões.
Corpo do artigo
Alguns chegam cabisbaixos e desconfiados, mas em todos há um brilho no olhar de curiosidade pelo que vai acontecer. Muitos desenharam pela última vez na escola, há várias décadas, e há quem nunca sequer tenha desenhado. Grafitar, então, parece uma missão impossível. Mas não é.
"Dizem que já não têm idade para isto e que não sabem desenhar e depois conseguem. Saem daqui pessoas diferentes, mais felizes", assegura Lara Rodrigues, fundadora do "Lata 65", projeto que em dez anos pôs 705 idosos a grafitar pelo Mundo, dos quais 653 em Portugal.
Assim que Lara dá luz verde para começarem a pintar é em segundos que uma parede branca se enche de rabiscos de todas as cores e algumas palavras: "As primeiras que vêm à cabeça", pede a arquiteta. De latas de spray na mão pela primeira vez, aos saltos ou a dançar, 14 idosos não conseguem esconder a euforia, como se tivessem libertado uma criança adormecida neles.
"É espetacular", exclamam alguns. Julieta Rocha, 84 anos, ri-se às gargalhadas. "Nunca pensei conseguir fazer isto. Está tudo aqui", diz, enquanto aponta para a cabeça e observa o seu primeiro grafíti.
Um pouco antes, no Now Beato, espaço de coworking de Lisboa, decorreu o 58.º workshop de arte urbana. Julieta esqueceu-se das dores que a artrose nas mãos lhe provoca assim que começou a rabiscar no papel uma criança.
"Sou eu a caminho da fábrica onde trabalhava, com os cabelos no ar porque não havia pente", explica. Rosa Camemba, 63 anos, desenha na perfeição uma palmeira, molde do seu grafíti, mas insiste que não o sabe fazer. "Não sei desenhar, nunca andei na escola e não aprendi nada". Gracinda Rebolo, 74 anos, acredita que basta "a vontade".
"Não há idade para aprender, temos todos capacidade de fazer aquilo que nos ensinam desde que queiramos", diz, otimista. Odete Mota, 83 anos, desmistificou a ideia de que "grafítis é só para jovens".
"É preciso mais força, com o dedo indicador consigo melhor, mas é possível", diz, acrescentando que "o convívio é o mais importante, pois há poucas atividades para nós". Um problema que Lara Rodrigues tenta combater ao "democratizar a arte" e "quebrar os muros que a sociedade impõe".