Paulo e Luís Roque vão num carro. Joaquim e Luís Carvalho seguem noutro. Trabalham juntos na Anacom há tantos anos que os mais de 200 quilómetros que se preparam para fazer, do Porto a Bragança, são nada quando comparados com os que estão para trás. O objetivo da viagem é o de sempre, reforçado nos últimos anos: que nenhum cidadão em Portugal fique sem comunicações.
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Quem o diz é Luís Roque Pedro, diretor da delegação do Porto da Anacom, regulador das comunicações no país, onde comanda uma equipa de 29 pessoas que trabalham para melhorar as comunicações em 142 concelhos, três décadas depois de ter entrado na empresa como técnico de monitorização de espetro. Catorze desses trabalhadores andam no terreno, aos pares, de Coimbra à Guarda para norte, atuando de forma reativa e preventiva. Ora deslocando-se gratuitamente às casas dos cidadãos que lhes fazem chegar reclamações e "preocupações legítimas", ora fazendo fiscalizações no espaço público para verificar a qualidade da rede e a segurança das antenas. Tanto para análise interna e apresentação às entidades que as solicitam, como para ação junto das operadoras em caso de falha.
Quantos pauzinhos de rede?
75% da população de cada uma das freguesias de baixa densidade (e ilhas) tem de ter cobertura móvel até ao final de 2023 e 90% até ao final de 2025, de acordo com as obrigações previstas no leilão 5G (para a atribuição de direitos de utilização de frequências).
Num dia de sol do fim de junho em que o JN acompanhou os técnicos e lhes ouviu as peripécias de estrada que tinham para contar com uma paixão que não se finge, foi feito um levantamento da rede móvel em todo o trajeto entre a delegação do Porto e a cidade raiana, através de um dispositivo simples que simula as comunicações da Meo, Nos e Vodafone, replicando "a real experiência do utilizador", explicou-nos Joaquim Gonçalves, técnico de fiscalização. Três telemóveis normais realizavam ininterruptamente chamadas telefónicas, enquanto outros três testavam o acesso a dados, para apurar a qualidade de voz e Internet - refletida no número de pauzinhos de rede que vemos no ecrã - em todos os locais e em cada uma das operadoras.
Esta segunda fase precede uma primeira de planeamento em que se definem os trajetos a percorrer, com mira em pontos onde moradores, autarquias ou a Anacom já sinalizaram problemas. Depois, a informação recolhida é apresentada a quem a solicita, normalmente autarquias, porta-vozes das queixas das populações. E, no caso de dados oficiais recolhidos com equipamento mais complexo e cumpridor dos regulamentos internacionais, sensibilizam-se as operadoras para colmatar as falhas.
"Onde não chega o ar do mar"
"Ir a todas as freguesias de todos os concelhos do país é impossível porque não é um robô que faz isto, não é um drone. São pessoas que conduzem na estrada e que simulam o cidadão. O que fazemos é ver os pontos maus e partimos de um princípio: onde está bem, pior não deve ficar, a não ser que sejamos notificados disso. E onde está mau, só queremos que fique bem", explica Luís Roque Pedro, indicando que os locais mais críticos são as freguesias de baixa densidade populacional. "Quase todas aquelas onde não chega o ar do mar" e onde impera a exclusão social de quem, se for trabalhar para a horta durante o dia, só pode falar com os filhos quando chegar a casa, porque só lá é que tem rede.
Roaming nacional vai diminuir desigualdades
Se há latitudes onde montanhas e vales impedem a propagação de sinal, há outras onde o puzzle seria solucionado com a instalação de mais uma antena ou até sem investimento extra, dizem. E aqui entra o roaming nacional, fórmula encontrada pela Anacom para "promover um maior clima concorrencial no setor" e, na prática, tapar buracos. É um sistema em que os operadores abrem a rede a terceiros de forma a que, por exemplo, um cliente Vodafone tenha cobertura numa zona onde só há uma antena da Meo e vice-versa.
"Imagine que ia às compras e o seu pagamento não era aceite porque o seu banco não correspondia ao do supermercado. Impensável, não é?", compara o responsável da Anacom, sublinhando que o regulamento do leilão 5G em Portugal obriga as operadoras a negociarem o roaming, o que supriria "um terço das falhas" e ajudaria a cumprir outras obrigações previstas.
"O país tem de ser um só e não bocados de país", defende, priorizando o interior esquecido mas "com muito potencial" e cada vez mais procurado por nómadas digitais. Bragança, a cidade portuguesa mais próxima de uma estação de alta velocidade, com um comboio para Madrid a 40 quilómetros, "tem mais capacidade de ser atrativa do que Lisboa".
"Toda a gente que nos contacta tem uma resposta em tempo útil. E, em menos de 15 dias, atacamos os problemas", afiança Paulo Nogueira, coordenador de intervenção, orgulhoso das vezes em que se viu engolido por um abraço ou teve de saborear uma fatia de bolo como gesto de gratidão de alguém cuja única companhia era o "Preço Certo" e para quem a falta de televisão era sinónimo de solidão.
Outras vezes, há "avarias" que dão para rir: o portão de uma garagem não funciona porque as colunas da sala estão ligadas, os carros de um stand automóvel não abrem por causa de um alarme do outro lado da rua, a sucata de uma antiga aeronave emite um sinal de emergência como se o avião estivesse em queda... Quase tudo interferências de sinais emitidos na mesma frequência e se interpelam.
Segurança é "constante" preocupação
Embora vivamos num "mundo rodeado de radiofrequência", o termo rodeia-se, por sua vez, de alguns mitos associados à saúde humana. É certo que "há limites que estão definidos e que são prejudiciais" - por isso é que emissores de grande potência estão protegidos e com acesso condicionado -, mas a preocupação com a segurança é "constante".
Daí as verificações no terreno, nomeadamente junto de escolas, hospitais e espaços de grande afluência, para assegurar que as novas antenas não excedem limites, jogando até com uma margem 50 vezes inferior aos valores de radiação internacionalmente estabelecidos. "Sempre que estão envolvidas situações em que essas 50 vezes são ultrapassadas, nós pedimos ao operador para fazer alterações na instalação - às vezes basta subir ou reorientar uma antena para diminuir - ou para baixar as potências. E os operadores normalmente concedem", explica o técnico António Alves, a partir do Miradouro de São Bartolomeu, que concentra vários emissores e onde, tal como na Serra da Nogueira, lá perto, a Anacom esteve a verificar as condições em que as emissões estavam a ser feitas para detetar eventuais interferências (por exemplo quanto à qualidade sonora e à segurança dos aviões).
Desmontar mitos em torno das antenas
"Queremos ter comunicações de qualidade, mas também queremos que as pessoas tenham vida de qualidade com as comunicações que têm", diz Luís Roque Pedro, afastando que haja "situações críticas de níveis multo altos" e desmontando o conceito "falso" de que muitas antenas provocam campos eletromagnéticos enormes.
"Um exemplo: uma rua escura com candeeiro muito forte no início. Eu, que moro ao pé desse candeeiro, tenho que andar de óculos escuros por causa da luz intensa. Mas no fundo da rua, quase não tenho luz. Hoje em dia, se tiver vários candeeiros com luz fraca, consigo ter boa luz ao longo do trajeto sem ter de andar de óculos em lado nenhum."
Pormenores
Testes de dados
Além das verificações de rede em zonas habitacionais, a Anacom também faz testes em comboios e prepara-se para atuar em trilhos e praias fluviais.
Fibra ótica nas "áreas brancas"
A par dos trabalhos com a rede móvel, a Anacom já entregou ao Governo um mapa das "áreas brancas", onde a cobertura da fibra ótica é ineficaz, visando a implementação da fibra em 100% do território, o que aumentaria a qualidade de vida de quem lá mora e facilitaria a fixação de pessoas e empresas que lá querem estabelecer-se, nota a empresa.