Fatura anual de uma família nortenha é 22 euros superior à do Algarve e 57 euros maior do que a da Madeira. ERSAR diz que disparidade de tarifas é "injustificada". Sistemas pequenos e deficitários cobram menos.
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O Norte é a região do país que mais paga pela água e onde o preço mais aumentou entre 2018 e 2021. Uma família nortenha, com um consumo de 120 metros cúbicos de água (sem contabilizar taxas ou custos de outros serviços), tem de desembolsar, em média, 127,05 euros por ano. Ora, no Algarve (região do continente onde o abastecimento é mais barato), o mesmo agregado pouparia 22,88 euros. Na Madeira, essa poupança chegaria aos 57 euros. Na Grande Lisboa, pagaria menos quase cinco euros. A disparidade das tarifas no território nacional é enorme e "injustificada", entende a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), e são os sistemas mais deficitários e com menor número de clientes que menos cobram por um bem escasso.
A Área Metropolitana do Porto lidera a lista das comunidades com preços mais elevados, seguindo-se Oeste, Coimbra, Tâmega e Sousa e Lezíria do Tejo. No espetro oposto, encontram-se Alentejo Litoral, Baixo Alentejo, Douro, Trás-os-Montes e Viseu Dão Lafões [ver infográfico]. E há um abismo gigante entre concelhos. Há municípios onde a fatura anual da água fica abaixo dos 50 euros e noutros que supera os 200. Por exemplo, na Trofa e em Santo Tirso, o custo anual de 120 metros cúbicos (m3) supera os 264 euros, enquanto em Terras do Bouro ou em Penedono fica por 46,50 e 53,80 euros, respetivamente.
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O aumento do preço da água tem sido sempre superior ao da inflação entre 2018 e 2020. O ano de 2021 foi a exceção. Neste triénio, registou-se uma subida média de 1,38%. Mas, no Norte, o preço médio cresceu 2,22%. Na Área Metropolitana de Lisboa, ficou-se pelos 0,85%. Se juntarmos o saneamento às contas de uma família com um consumo de 120 m3, a tarifa média nacional agrava-se de 115,96 para 191,05 euros. No Norte, avança para 216,94 euros e passa a ser a segunda maior do país. Então, a Grande Lisboa ascende à liderança com um preço médio de 218,37 euros.
Porém, as disparidades entre concelhos mantêm-se. Nos territórios servidos pela Águas do Norte - como Amarante, Celorico de Basto, Baião ou Arouca -, o custo dos dois serviços ascende a 390 euros. Em Castro Daire, Terras do Bouro e Vila Nova de Paiva, não chega a 80 euros. E há concelhos que nem sequer cobram pelo saneamento, como Foz Côa.
25% sem tarifas sociais
A análise, que consta do estudo "Água e saneamento em Portugal - O mercado e os preços", desenvolvido pela Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA), traça um retrato de desigualdade, que se reflete, também, na adoção dos tarifários social (para clientes desfavorecidos) e familiar (para agregados numerosos).
Ao contrário da tarifa social da luz que está disponível em todo o país, o tarifário social da água depende da vontade de cada entidade gestora. Apesar da recomendação da ERSAR para que sejam criados universalmente, 25% dos sistemas continuam a não ter essa oferta. Isto resulta, também, de muitos concelhos optarem por cobrar a água muito abaixo do custo do serviço, desrespeitando a lei nacional.
"Os serviços devem ser pagos, porque, na parte em que o não forem, serão os impostos a suportar os grandes investimentos e custos de gestão que o setor enfrenta; e, nesse caso, na prática, os contribuintes que sejam pequenos consumidores estão a subsidiar os grandes, o que é injusto", explica Henrique Salgado Zenha, vice-presidente da APDA.
O estudo mostra um país dividido entre um estreito Litoral e um "largo" Interior, no qual mais de metade das 247 entidades que levam a água a casa dos portugueses servem menos de dez mil clientes e 179 (58%) dos 308 municípios. São entidades pequenas sem autonomia financeira nem administrativa para recuperar os gastos, que permanecem dependentes dos orçamentos municipais.
Tanto a ERSAR como a APDA defendem a agregação de sistemas para criar massa crítica, tornarem-se mais sustentáveis e ganharem fôlego financeiro para enfrentar o maior desafio do setor: a reabilitação das redes de condutas de água [ler texto ao lado]. Contudo, "o processo das agregações tem sido manifestamente lento e nem sempre bem-sucedido. Também a abrangência é ainda manifestamente insuficiente", lê-se no documento.
Ao JN, Poças Martins, especialista na gestão do ciclo da água, fala num país a "duas velocidades", onde as empresas com melhor serviço são poucas - "cerca de 30" -, praticam tarifas mais altas e continuam a melhorar. Ao passo que a maioria das entidades é ineficiente. "Há dez anos que não melhoram e nada lhes acontece", lamenta o engenheiro, dando os exemplos dos sistemas do Porto, da EPAL e de Gaia que conseguem praticar "tarifas sustentáveis de 20 a 30 euros por mês", enquanto as entidades mais pequenas precisariam de "valores três ou quatro vezes superiores para não darem prejuízo".
No entanto, são estas que praticam as tarifas mais baixas no país, acumulando "prejuízos crónicos", subsidiados "pelos orçamentos municipais que, por causa disso, deixam de fazer outras coisas. Mas são subsídios gerais, ao rico e ao pobre, a quem precisa e a quem não precisa".
Face à resistência à agregação dos sistemas, sobretudo dos municípios mais pequenos. Poças Martins propõe uma alternativa: "As câmaras podem juntar-se e partilhar recursos humanos e técnicos, sem perder a soberania da gestão", à semelhança do que já é feito nas comunidades intermunicipais, por exemplo, na gestão dos transportes.