O PS apenas permitiu a aprovação de um dos 16 diplomas sobre habitação, elaborados pelos sete partidos da Oposição, que o Parlamento debateu esta quarta-feira. A ministra da Habitação esteve ausente do debate agendado pelo BE, situação que mereceu críticas da parte de bloquistas, PSD e Chega.
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O único diploma que a maioria absoluta admitiu foi um projeto de resolução - ou seja, uma mera recomendação ao Governo - no sentido de se agregar toda a legislação sobre construção num Código da Edificação, de modo a reduzir a burocracia. A medida, apresentada pela IL, foi aprovada com a abstenção de BE, PAN e Livre.
Na parte inicial do debate, Márcia Passos, deputada do PSD, quis saber o motivo de a ministra Marina Gonçalves não ter assistido ao plenário. E questionou: "Se a habitação não é motivo para a senhora ministra vir a este Parlamento, qual será o motivo?".
Também a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, lamentou que Governo e PS tenham considerado que o debate em causa "não era importante" - os primeiros por não estarem presentes, os segundos por terem sido o único partido a não apresentar qualquer diploma. André Ventura, líder do Chega, criticou igualmente a ausência do Executivo.
Logo a abrir, Mariana Mortágua denunciou a existência de um "pacto de regime" entre PS e PSD sobre habitação, para liberalizar as rendas e o mercado. Esse acordo, alegou, levou a que a "especulação e o turismo" tenham deixado "milhares de pessoas desapossadas e privadas da sua casa". Os socialistas, pela voz da deputada Maria Begonha, contestaram esta observação.
Mortágua fez a defesa dos cinco projetos de lei apresentados pelo BE. Estes preveem o limite de 0,43% à atualização das rendas em 2024, o fim do regime dos residentes não habituais, a proibição da venda de casas a não residentes (medida que não teve mais nenhum voto a favor e que foi criticada pelo Livre), a limitação da variação da taxa de esforço no crédito à habitação e a fixação de um limite máximo de renda consoante o estado da casa e do prédio.
BE pressiona Governo a dizer quanto subirão as rendas: "Onde está a estabilidade?"
Mariana Mortágua previu que, em período de debate do Orçamento do Estado, o ministro das Finanças, Fernando Medina, venha falar em breve "sobre estabilidade, segurança e previsibilidade". Dito isto, indagou: "Que estabilidade há quando falha a coisa mais básica de todas, que é a certeza de ter uma casa digna que o salário possa pagar?".
Lembrando que o Governo ainda não disse quanto subirão as rendas em 2024, a deputada sublinhou que, se não for decretado qualquer limite, estas aumentarão 6,94% de forma automática. "Estamos a entrar em novembro. É assim tão difícil dizer às pessoas com o que podem contar?", atirou Mortágua, recordando que a percentagem da eventual subida já é conhecida desde agosto.
A proposta bloquista para proibir a venda de casa a não residentes foi criticada por Rui Tavares, do Livre. O deputado considerou "um erro" tentar responder ao "nacionalismo" e ao "simplismo" da Direita com medidas que, por limitarem os direitos a estrangeiros, "abrem a porta à pior demagogia".
Em resposta, José Soeiro, do BE, referiu que esta medida "não tem nada a ver com xenofobia", já que não impede a compra de casa a imigrantes ou a portugueses residentes no estrangeiro. Visa apenas "estancar um processo especulativo" que transformou Portugal "num inferno para quem procura casa para viver", alegou.
PS e PSD trocam acusações
O debate também ficou marcado por um despique entre PS e PSD. Primeiro, o socialista Tiago Soares Monteiro acusou os sociais-democratas de falarem com "alguma altivez", como se não transportarem "o legado do despejo": "O PSD fala como se nos últimos 20 anos, sempre que foi Governo, tivesse feito alguma coisinha pela habitação", atirou.
Em resposta, a social-democrata Márcia Passos disse ter "muito orgulho" nas propostas do seu partido. Acrescentou que o PS é que devia ter "vergonha" por estar há oito anos "para publicar uma portaria, criada pelo PSD em 2015, acerca do subsídio de renda para ajudar as famílias".
Maria Begonha, do PS, procurou demonstrar que o Governo tem estado "à altura" das exigências em matéria de habitação, distanciando-se das soluções propostas pela Oposição: à Direita, criticou a "cultura de privilégio e reprodução simples das igualdades"; à Esquerda, apontou o dedo a quem descura que é preciso devolver "confiança" ao mercado.
IL: "Das hemorróidas ao racismo..."
Carlos Guimarães Pinto, da IL, fez a defesa do projeto de lei do seu partido, que visava criar um programa alternativo ao "Mais Habitação" que previsse o corte de vários impostos, de modo a estimular a construção e o mercado.
O liberal acusou os bloquistas de terem como única agenda "acabar com a criação de riqueza. Num momento insólito, atirou: "Para o BE, das hemorróidas ao racismo, tudo é culpa do capitalismo". Mariana Mortágua respondeu que as "sessões de piadas" de Guimarães Pinto nos plenários estão a tornar-se "um bocadinho confrangedoras".
Bruno Dias, do PCP, insurgiu-se contra os "mais de 11 milhões de euros por dia" que a banca nacional tem arrecadado, batendo "todos os recordes de lucro". Também denunciou que, ao mesmo tempo que o debate decorria, estava a ser despejado um prédio no bairro lisboeta de Arroios.
André Ventura, do Chega, acusou a Esquerda de querer promover o "esbulho e o roubo" dos proprietários de alojamentos locais. Sem se sustentar em quaisquer dados, criticou ainda as "minorias" que "não pagam rendas".