Pedro Soares, porta-voz da moção E na convenção do BE, acusou Mariana Mortágua de adotar um "discurso vago" que dilui a identidade do partido. O ex-deputado por Braga entende que os bloquistas se tornaram demasiado próximos do PS e criticou a posição do BE sobre a Ucrânia, considerando que esta se encontra alinhada com as posições que advogam a perpetuação do conflito.
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Na convenção do BE, Pedro Soares considerou que os tempos "não estão para discursos vagos do tipo 'Uma vida boa para todas as pessoas'". O porta-voz da moção E aludia ao repto lançado pela moção A, de Mortágua, que elegeu essa frase como um dos seus slogans.
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"A luta de classes não se esvaiu por milagre", advertiu Pedro Soares. Uma vez que os tempos são "fraturantes", o antigo deputado exigiu que o BE não se fique por "declarações de princípio de largo espectro". Estas, argumentou, não só não atraem gente como "só podem ter como desfecho a diluição da nossa identidade e do nosso papel na sociedade".
No entender de Soares, essa opção foi "consequência de anos de troca do nosso programa pela procura de acordos com o PS", o que levou ao "abandono" das bandeiras do BE. O crítico considera que essa continua a ser a orientação dominante do partido, fruto do facto de a direção recusar fazer uma "avaliação" das últimas derrotas eleitorais.
"A geringonça acabou mas perdura na cabeça de alguns e continua a marcar a nossa linha política", reforçou Pedro Soares, que também tem acusado a direção de não promover o balanço necessário das opções que levaram ao insucesso nas urnas.
"Perplexo" por haver dirigentes com a mesma posição da NATO
A outra grande divergência da moção E face à maioria da direção prende-se com a guerra da Ucrânia. Pedro Soares advoga a "condenação inequívoca" da invasão russa, mas questiona: "O que devemos fazer enquanto comunidade internacional? Estimular a escalada militar ou concentrar todos os esforços num cessar-fogo imediato com retirada das tropas e no estabelecimento de um plano de paz?".
O bloquista revelou apoiar as declarações recentes do presidente brasileiro, Lula da Silva - que, em Abril, exortou os EUA e a UE a começarem a falar de paz e não apenas de guerra. Soares disse sentir uma "enorme perplexidade" sempre que dirigentes do BE exteriorizam "a mesma posição do Governo" sobe o conflito, já que essa é, também, a posição "do chamado eixo euro-atlântico".
"Não foi menor a perplexidade quando vimos, em Kiev, o BE integrado numa delegação da Assembleia da República que teve como objetivo reafirmar a posição da NATO do prolongamento da guerra e da escalada militar", prosseguiu Soares. O porta-voz da moção E referia-se ao facto de deputada Isabel Pires ter participado numa viagem organizada pelo presidente do Parlamento, Santos Silva, à capital ucraniana.
Nessa viagem, os parlamentares portugueses convidaram o presidente do Parlamento da Ucrânia para discursar na Assembleia da República. Soares descreveu o político ucraniano em causa como "um neonazi organizador de perseguições à Oposição", acusando-o de ter participado no massacre da Casa dos Sindicatos de Odessa - que, em 2014, vitimou cerca de 40 opositores do Governo ucraniano.
"Por que esperamos para nos demarcarmos de tudo isto?", quis saber Pedro Soares. Frisou ainda que, na Ucrânia, os opositores "ou estão mortos ou estão presos".
A posição da moção E sobre o conflito tem sido criticada por alguns delegados. Luís Fazenda, antigo deputado do BE, afirmou, dirigindo-se ao porta-voz da moção E: "Não se pode dizer 'Putin fora da Ucrânia' e depois, numa entrevista, admitir que parte da Ucrânia pode ficar para a Rússia". O reparo de Fazenda mereceu uma ovação da sala.
Abstenção preocupante
Pedro Soares também se mostrou preocupado com a fraca participação na eleição dos delegados da convenção, ocorrida na semana passada. "O nível de abstenção foi o maior de sempre, 80%. Regiões houve onde foi superior a 90%. A maioria da direção divulgou de forma entusiástica a vitória da sua moção, mas escondeu o que foi uma derrota de todos e todas nós", argumentou.
Na opinião do porta-voz da moção E, o BE está perante aquilo que "começa a ser um padrão de comportamento". Ignorar "os mais evidentes sinais de crise" e "esconder a verdade" apenas serve para "evitar mudar de rumo, o que "degrada a democracia", sustentou.
A XIII Convenção do BE coloca frente a frente duas moções que apresentam candidaturas à direção. A moção A, encabeçada por Mariana Mortágua, elegeu 81% dos mais de 600 delegados presentes no congresso deste fim-de-semana. A moção E, cujo porta-voz é Pedro Soares, não foi além da eleição de 14% dos delegados. Os restantes 5% dizem respeito a várias plataformas de cariz local.
Soares já admitiu que não se candidata para vencer, mas sim para forçar o debate e pedir explicações à direção sobre a sucessão de maus resultados eleitorais.