Metade dos orçamentos participativos foi suspensa em ano de pandemia. Especialista crê que é preciso revisitar conceito.
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Cerca de 50% dos orçamentos participativos geridos pelos municípios portugueses foram suspensos devido à pandemia da covid-19, diz o "Atlas Mundial dos Orçamentos Participativos 2020-2021". A publicação, apresentada na sexta-feira pela Associação Oficina, aponta as regras sanitárias como responsáveis pelo retrocesso de um instrumento que permite os cidadãos decidirem sobre como devem ser investidas parte das verbas públicas.
Ao todo, a equipa da Oficina juntou 106 autores de 65 países de diferentes continentes para avaliar o impacto da pandemia. E concluíram que, no último ano, 55% dos orçamentos participativos foram suspensos, apenas 24% continuaram com as mesmas condições e 21% avançaram em moldes diferentes. "Adaptaram-se ao contexto virtual, outros diminuíram o número de participantes", explicou Nélson Dias, um dos coordenadores do Atlas, disponível gratuitamente, a partir de segunda-feira.
Segundo o especialista, "em mais de 30 anos de orçamentos participativos no mundo, este é o primeiro momento em que passamos a uma regressão. O número de orçamentos suspensos é maior do que aqueles em funcionamento ou novos orçamentos". Em Portugal, adiantou Nélson Dias, se forem contabilizados os orçamentos participativos escolares, as suspensões atingiram os 96%. "A pandemia tem sido um momento de elevação institucional e de perda de protagonismo por parte dos cidadãos em matéria de participação".
Portugal é referência
Ainda assim, Portugal aparece em lugar de destaque quanto à influência que tem nos orçamentos participativos dos outros países. Depois do Brasil, onde nasceu a ideia, é a segunda maior referência para os modelos aplicados noutros territórios. "A rede portuguesa é bastante ampla e influencia países de todos os continentes, mesmo aqueles que não têm qualquer tipo de relação histórica", observou Nélson Dias.
O especialista não deixou, contudo, de apontar fragilidades a este instrumento de participação. No Atlas, os autores referenciam a necessidade de se "revisitar o conceito" do orçamento participativo. Além da fase das decisões e da implementação dos projetos, entendem que é preciso "avaliar o impacto na comunidade". "É aqui que reside um dos maiores falhanços", conclui Nélson Dias.