Especialistas ouvidos pelo JN pesam prós e contras e veem mais vantagens do que riscos em inocular menores contra covid.
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"Estou convencido de que a Direção-Geral da Saúde (DGS) vai recomendar a vacinação das crianças contra a covid-19, no grupo etário dos 12 aos 15 anos", diz ao JN Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (OM). O especialista sublinha que "a Ordem apoiará sempre a decisão da DGS" e prevê que a autoridade de saúde do Governo português, que é dotada de autonomia administrativa, "vai anunciar a sua recomendação na próxima semana".
Miguel Guimarães reconhece que "há hoje uma grande pressão social e política para a DGS emitir a sua recomendação", mas lembra que "é preciso seguir as evidências científicas" e "confiar na ciência", que "tem argumentos sérios e verdadeiros". E aponta que "tanto a EMA [Agência Europeia do Medicamento], como a sua congénere americana FDA [Food and Drug Administration], recomendaram já, e sem restrições, que se vacinem as crianças a partir dos 12 anos". As agências já aprovaram a inoculação de menores com as vacinas da Pfizer e da Moderna. "São só as duas agências mais importantes do mundo nesta matéria", vinca Miguel Guimarães.
O bastonário nota ainda que "a academia americana de pediatras, que é das mais respeitadas mundialmente, também recomenda, sem reservas, a vacinação de crianças acima dos 12 anos".
A OM ainda não tomou posição sobre a matéria e só o fará após o parecer da DGS, justamente porque a Ordem tem um representante na Comissão Técnica de Vacinação Contra a Covid, o organismo de aconselhamento da DGS.
A inoculação de crianças contra a covid não é consensual entre a classe médica. A comissão criada pela DGS já recebeu o parecer de um grupo de trabalho de pediatras que defende que só os jovens com doenças de risco devem ser vacinados, não havendo benefício para os outros.
"Vacinar toda a gente"
"Não há nenhum estudo que nos diga que vacinar crianças não é eficaz", diz ao JN Paulo Santos, especialista em Medicina Geral e Familiar. "Por isso, e sabendo nós que as vacinas são a tecnologia médica que mais vidas salva, e estando o país em plena fase pandémica, é aconselhável vacinar toda a gente. Faz todo o sentido."
Este médico aponta uma razão para não vacinar as crianças acima dos 12 anos: "Só em casos de personalização identificada, isto é, em caso de alergias graves e muito específicas. De resto, na minha opinião, devemos, sim, vacinar os jovens". Quanto aos que têm comorbidades, "evidentemente que devem ser vacinados quanto antes".
Jovens espalham o vírus
"Não podemos deixar o coronavírus em circulação livre entre os mais jovens. Pode não ser grave para eles apanharem covid, mas é grave se forem transmissores da doença para os mais velhos", realça Carla Nunes, epidemiologia e diretora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa. "Nesse sentido, devemos vacinar o máximo de população que pudermos", assinala ao JN.
A especialista lembra que "nenhum medicamento é 100% seguro e todos podem provocar efeitos adversos", mas diz confiar "totalmente na aprovação das vacinas para jovens" já decretada pela EMA. A médica diz que "a decisão não é simples" e pede: "Deem tempo e tranquilidade à DGS para decidir cientificamente".
Faz sentido vacinar crianças para proteger adultos? "Claro que sim", reage Fernando Maltez, diretor do Serviço de Infecciologia do Hospital Curry Cabral. O médico entende que "ainda não possuímos dados suficientemente robustos", mas salienta que, "assim como na gripe, também na covid o papel transmissor das crianças é efetivo".
E as miocardites e pericardites desenvolvidas por algumas crianças americanas após a vacinação, que motivou uma carta de 30 profissionais em Portugal? Responde o bastonário: "Esse efeito lateral é muito escasso e o número de casos nos EUA muito pequeno. Por isso, vale efetivamente a pena vacinar", conclui.
Grupo pediátrico: só jovens de risco devem vacinar-se
Um grupo de trabalho de uma dezena de profissionais de saúde ligados à pediatria já enviou à Comissão Técnica de Vacinação Contra a Covid o seu parecer sobre a vacinação de crianças. O grupo concluiu que só os jovens acima de 12 anos com comorbidades, isto é, outras doenças de risco, devem ser vacinados contra a covid - adiantou o jornal "Público". O grupo entende que não há benefícios em vacinar os saudáveis. Quanto aos de idade acima de 16 anos, o grupo diz que devem ser vacinados, conforme previsto, há meses, pela DGS.
Números
570 mil crianças e jovens entre os 12 e os 17 anos deverão ser vacinadas entre 14 de agosto e 19 de setembro, anunciou o primeiro-ministro, dizendo aguardar pela decisão técnica da DGS.
5941 jovens de 16 e 17 anos com indicação de vacinação segundo a Norma 2/2021 da DGS (por exemplo terem trissomia 21 ou serem transplantados) já foram vacinados com a Pfizer, 2371 com as duas doses.
Outros países
EUA: sete milhões
Os EUA começaram em maio a inocular jovens acima dos 12 anos - sete milhões já tomaram a vacina da Pfizer ou da Moderna. O mesmo sucede no Canadá e, desde junho, no Brasil.
China: só casos de risco
A China aprovou o uso da vacina Sinovac em crianças entre os 3 e os 17 anos, mas ainda só em casos emergentes de crianças em risco (comorbidades).
Espanha: vacinar dos 12 aos 17
Espanha planeia começar a vacinar crianças entre os 12 e 17 anos cerca de duas semanas antes do início do ano letivo, em setembro.
França: com acordo dos pais
França começou a vacinar crianças acima de 12 anos em junho. Têm que ter o consentimento dos pais.
Alemanha: com outras doenças
O comité consultivo de vacinas recomenda que só as crianças com doenças preexistentes deveriam receber a vacina da covid.
Inglaterra: ainda à espera
Os ingleses já aprovaram a vacinação dos 12 aos 17, mas aguardam mais dados.
OMS: doar aos pobres
A Organização Mundial de Saúde diz que é mais urgente nesta altura doar vacinas para os adultos dos países pobres do que vacinar os adolescentes e crianças.