Medo do novo coronavírus está a desviar habituais frequentadores de praias do litoral para zonas menos povoadas. Procuram sossego, segurança, cultura e gastronomia. Alojamento com ocupação próxima de 80%. Responsáveis de unidades hoteleiras e câmaras municipais estão surpreendidos.
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Na oficina do latoeiro ao lado da Capela Nova, em Vila Real, duas turistas portuguesas procuram saber tudo sobre a arte. Deixaram à porta duas bicicletas encostadas à parede. As amigas Manuela Bártolo e Luísa Jorge saíram de Leiria e da Batalha, respetivamente, e estão em viagem pelas cidades atravessadas pela Estrada Nacional 2 (EN2), entre a Sertã e Chaves. Não fosse a pandemia de covid-19 e estariam "numa praia do Algarve". Fugiram à confusão e, aos 58 anos, preferiram percorrer o interior para conhecer "costumes, tradições e gastronomia".
As amigas são duas dos muitos milhares de portugueses que este ano trocaram praias e cidades do litoral por locais menos povoados para passar férias. O interior Norte e o Minho mais afastado do mar estão a registar ocupações hoteleiras entre 75% e 80%, de acordo com as contas da Turismo do Porto e Norte de Portugal.
Ocupação supera unidades do Porto
O presidente, Luís Pedro Martins, nota que até fevereiro deste ano havia "dificuldades" para levar os turistas para zonas mais afastadas, por exemplo, do Porto. Hoje, devido à covid-19, "os turistas preferem esses territórios", deixando a cidade Invicta com "uma taxa de ocupação de 30%".
Vila Real, Bragança, Lamego e Macedo de Cavaleiros registam afluências que surpreendem os responsáveis locais. Mas Viseu, habituada a grandes enchentes, por força da Feira de São Mateus, ressente-se, mesmo que a procura tenha melhorado em agosto.
Manuela e Luísa passaram por Viseu, Lamego e Peso da Régua antes de chegarem pela EN2 a Vila Real, de onde seguiram para Chaves. Viajam de carro para não terem de pedalar tanto. Dentro das cidades estacionam "num lugar seguro" e depois só se deslocam em bicicleta. Porque "é mais fácil chegar a todo o lado", nomeadamente a "monumentos, zonas históricas e praias fluviais". Ir à Casa de Mateus era obrigatório. Dados fornecidos ao JN por esta entidade revelam que "dos 6715 turistas recebidos entre março e 12 de agosto, 4355 eram portugueses (65%)".
Manuela é funcionária judicial e Luísa é administrativa. Estão entre os números que satisfazem José Maria Magalhães, vereador da Câmara de Vila Real. "O ano passado registámos na Loja Interativa de Turismo pouco mais de 900 pessoas durante o mês de agosto e, este ano, nos primeiros 10 dias já tínhamos 745. Em julho e junho, "também houve um acréscimo significativo" de turistas. "Chegam maioritariamente em família", o que contribui para que os responsáveis das unidades hoteleiras estejam "satisfeitos", diz.
Recuperação surpreendente
As duas amigas em bicicleta não estão entre as que ocupam camas nas unidades hoteleiras da cidade. Viajam com tendas e dormem, normalmente, em parques de campismo. Danielle Alves Carvalho, diretora-adjunta do Hotel Mira Corgo, haveria de ter gostado de receber a sua simpatia e juntá-las aos que ocupam "65% da capacidade" por estes dias. "Estamos a recuperar os números de um ano que considerávamos perdido", assume, satisfeita por ver que o hotel de 166 quartos que gere no centro da cidade vila-realense merece a confiança dos portugueses.
Danielle contou por duas noites com os irmãos Joana e Amadeu Mendes, naturais do Funchal. Ela a viver e a trabalhar em Lisboa e ele no Porto. "A viagem para Ibiza (Espanha) foi cancelada". Procuraram alternativa no Gerês. "Marcámos em cima da hora e já não conseguimos ficar". Então decidiram ir até Vila Real e a partir daí explorar um pouco o Douro vinhateiro. José Manaia e Teresa Pires marcaram uma semana no Hotel Mira Corgo. Vivem no Luxemburgo e num ano normal ninguém lhes tiraria o Algarve. Como não é normal, ficam pelo interior. Fonte do restaurante Cais da Villa adianta que está a ter "um crescimento notável por parte de clientes portugueses, muitos deles de passagem pela região".
Bragança está a registar maior afluência de turistas nacionais, principalmente pessoas que vivem nas cidades do litoral
Na cidade mais cultural do Douro, Lamego, a retoma está a ser feita à custa de "mais turistas nacionais, em família e que se deslocam em meios próprios", refere o vereador António Alves da Silva. O concelho tem mais de mil camas em alojamentos de diversas tipologias, muitas delas em espaço rural, o que cria "condições de segurança" para que "grande parte esteja neste momento ocupada".
Em Macedo de Cavaleiros, o atrativo são as duas praias fluviais do Azibo. "Julho foi um mês atípico", diz o presidente da Câmara, Benjamim Rodrigues. Ao fim de semana, a capacidade de 3300 banhistas chegou a esgotar às 11 da manhã.
Bragança está a registar "maior afluência de turistas nacionais, principalmente pessoas que vivem nas cidades do litoral", destaca o presidente da Câmara, Hernâni Dias. Unidades hoteleiras, sobretudo rurais, estão com "taxas de ocupação tremendamente altas". A restauração "também está a recuperar" e as esplanadas têm "uma ocupação muito grande". Espanhóis e franceses fazem-se notar em Bragança, mas faltam italianos, ingleses, holandeses, entre outras nacionalidades.
Estrangeiros fazem falta
Em Viseu, o vereador Jorge Sobrado frisa a "melhoria significativa registada em agosto". Mas não compensa a "quebra de dormidas face ao ano turístico de 2019, que foi o melhor de sempre, com 300 mil noites" em alojamentos. Justifica com o recuo do turismo internacional que representa em Viseu "cerca de um terço da procura" e precisa que "no alojamento hoteleiro tradicional as perdas vão ser maiores", enquanto "no alojamento local serão bastante menores".
O turismo nacional está a ser "muito importante" para as cidades do interior do país, mas de acordo com Luís Pedro Martins "não consegue compensar a perda do turismo internacional". Em 2019 representou "mais de 50% do total de seis milhões de hóspedes" no Porto e Norte