Paulo Raimundo tem 48 anos, nasceu em Cascais, desempenhou tarefas na organização interna das estruturas comunistas, integra o Comité Central do Partido Comunista Português (PCP) há quase 30 anos e foi eleito secretário-geral em 2022, sucedendo a Jerónimo de Sousa.
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Pela primeira vez de forma tão clara um secretário-geral do PCP assumiu uma perda eleitoral. Quis deixar um grito de alerta?
Não foi um grito de alerta, foi uma constatação. Não temos tido propriamente resultados eleitorais que correspondam às nossas ambições, muito menos que sirvam aquilo que são as necessidades do povo, dos trabalhadores e do país. E, portanto, são factos concretos, não vale a pena enterrarmos a cabeça na areia ou menosprezarmos as dificuldades. A questão é: o que é que fazemos perante as dificuldades. Ou assumimos uma atitude de confronto, de ultrapassar o ambiente que está colocado em torno do partido, daquilo que nós classificamos como uma ofensiva contra o PCP... Ou esperamos que os fortes ventos passem, ou atacamos esses fortes ventos. E aquilo que nós decidimos é atacar esses fortes ventos. Portanto, com os pés assentos na terra e conscientes das dificuldades, não vamos ficar à espera que os tempos melhorem, vamos fazer tudo para que os tempos melhorem.
Então, e qual é a estratégia para atacar esses fortes ventos?
Não devemos menosprezar o grau do contexto em que intervimos. Estamos perante um quadro muito exigente e difícil, que puxa por tudo, em particular sobre as conceções mais reacionárias e até fascizantes, pelo que as forças progressistas não têm facilidades, muito pelo contrário. A solução que temos para 2024, 2025, 2026, 2027 é a mesma que encontrámos ao longo dos 103 anos de história do PCP: quando a situação é mais difícil, mais obriga a que o partido vá para as massas. Ligar-se às massas, aos problemas concretos, mobilizar essa gente. É aí que vamos encontrar força e é isso que estamos a fazer. Temos em curso um exemplo concreto, uma ação nacional que intitulamos “Aumentar salários e pensões por uma vida melhor”.
Não há um risco de, colocando o partido na necessidade de resistir, esquecer um bocadinho o lado progressista, que é também uma marca do PCP?
Não, porque aquilo que colocámos com muita força neste Congresso foi resistir, mas resistir não é ficar à espera. Não confundimos resistência com desistência e, portanto, a nossa resistência não fica à espera, vai procurar acumular forças para avançar, crescer e vencer. É nisso que estamos empenhados.
Esta posição de resistência do PCP, uma imagem de marca sublinhada até no Congresso, surge como reação a várias ameaças. Quais são? As novas organizações do trabalho, as multinacionais, o populismo de Direita?
Temos dois milhões de pessoas em risco de pobreza, 300 mil crianças nessa situação, o que é uma coisa dramática. Mais de um milhão de pensionistas com pensões de miséria, 2,7 milhões de trabalhadores com menos de mil euros de salário por mês e, em contraste com isto tudo, 19 grupos económicos têm qualquer coisa como 32 milhões de euros de lucros por dia. Não é por ano, não é por semana, é por dia! Depois, temos uma política, que não é de agora, mas que se acentua, em que tudo se encaminha para corresponder a esses interesses e não aos interesses da maioria. Dou um exemplo concreto: qual é a grande marca do Orçamento do Estado? Qual é a sua cerejinha no topo do bolo? A descida do IRC. Para quem? Para os tais 19 grupos dos tais dos 32 milhões de euros de lucros por dia. Ora, isto não pode ser. Num país com dois milhões de pobres, com quase metade dos trabalhadores a ganhar menos de mil euros por mês, o esforço do Governo é diminuir ainda mais os impostos para esses grandes grupos económicos. Não pode ser. Mas acresce a isto ainda mais 1800 milhões de benefícios fiscais. O Orçamento do Estado dá mais 1500 milhões de euros a empresas público-privadas, que é transferido para quem? Para os tais grupos económicos que fazem da demência o negócio. Isto não é caminho. Enfrentamos hoje dois problemas. O problema da realidade da vida, das dificuldades, e a perceção sobre as causas desses problemas. Por exemplo, qual é a tática da reação, não há outra palavra para descrever, é mesmo assim, da reação e das conceções reacionárias e fascizantes? A tática é procurar identificar no vizinho, no primo, naquele que apanha o autocarro, naquele que trabalha ao nosso lado, como o responsável da situação. E isso volta-se geralmente para quem? Para aquele que procura, em Portugal, uma vida melhor. Ainda agora cinco mil jovens portugueses foram para os Países Baixos à procura de uma vida melhor. A realidade é que a vida está difícil para a maioria, mas há 19 grupos económicos que têm 32 milhões de euros de lucros por dia. Esta situação cria dificuldades às forças progressistas, onde se inclui, naturalmente, o PCP.
Quando fala de realidade alternativa refere-se à mensagem extremista de Direita?
E a quem os alimenta, peço desculpa.
E isso favorece os grandes grupos? Liga uma coisa à outra?
Claro, então não favorece... Enquanto nós andamos aqui distraídos com estudos, com perceções, com notícias, aberturas de telejornal, claro, a causa da profunda desigualdade passa ao lado. Repare no Orçamento do Estado aprovado há um mês, quem é que o aprovou? Aprovou-o o PSD e o CDS. E o PS viabilizou este Orçamento. Ao fazê-lo, não só se comprometeu com as políticas e conteúdos concretos do Orçamento, como permitiu uma outra coisa tão perigosa como a primeira. Permitiu que o Chega e a Iniciativa Liberal se dessem ao desplante de poder votar contra um Orçamento com o qual estão profundamente de acordo. Ou seja, quem permitiu que o Chega e a Iniciativa Liberal se façam agora de fanfarrões, como se fossem a última bolacha do pacote, foi o Partido Socialista. Não podemos proclamar o combate às forças reacionárias e ao mesmo tempo alimentá-las.
Deixar de ser a terceira força política nas próximas autárquicas seria uma derrota pessoal ou um fracasso coletivo?
Acho que era uma derrota para as populações. Mas isso não se vai colocar.
O facto de o PCP ter 19 câmaras e 11 dos atuais autarcas não se poderem recandidatar aumenta o risco?
Meio a brincar, meio a sério, isso é válido para nós e para todos. Portanto, se quiserem brincadeira, se nós ganharmos todas as 50 câmaras onde o PS vai ter de mudar de cabeça de lista pela mesma razão, o saldo não fica mal...
No Congresso fez uma referência muito concreta à necessidade de ir buscar independentes. Tem alvos específicos já pensados?
Vi com agradável surpresa o destaque que foi dado a essa afirmação, porque se há coisa que a CDU tem como prática, e em particular no que diz respeito às autárquicas, é muitos independentes envolvidos, gente muito diferente.
Está completamente fora dos planos do PCP estabelecer entendimentos com o Partido Socialista nestas autárquicas?
Mas com qual Partido Socialista? O das proclamações, ou aquele que votou a favor do Orçamento do Estado do PSD e CDS?
O do Pedro Nuno Santos...
...o do Orçamento do Estado do PSD e CDS, não é? Que se subjugou aos objetivos do Governo, que se tornou cúmplice e vai ser responsabilizado pelas consequências do desastre que é o Orçamento. Mas não foi só isso que o PS fez. O PS fez uma outra coisa por opção própria. Ninguém o empurrou para isso. O PS diz “tudo contra o Moedas, o Moedas é um desastre” e viabilizou o orçamento da Câmara de Lisboa. Os votos do PS permitiram que o orçamento passasse. Mas ao mesmo tempo, ao lado, em Setúbal, esse mesmo PS votou contra o orçamento da Câmara Municipal gerida pela CDU. Não sei se isto responde à pergunta, mas clarifica muito bem quais são as opções de fundo do PS.
O PCP teve um entendimento com o PS e, de alguma forma, passou a ter voz ativa no Governo, nos primeiros anos de António Costa. Há, aparentemente, uma viragem mais à Esquerda do PS com Pedro Nuno Santos e, numa conjuntura em que as esquerdas precisam de facto de estar unidas, até porque temos um Governo de Direita, surge o afastamento. Porquê?
Eu percebo a pergunta, mas não pode ser dirigida ao secretário-geral do PCP. Quer dizer, poder pode, e eu vou procurar responder, mas o alvo principal dessa pergunta não sou eu. Todo o quadro que desenhou está certo. Só que se esqueceu de um ligeiro pormenor, é que nesse quadro todo foi o PS que deu mão, com a sua abstenção, ao Orçamento do PSD-CDS. Não foi o PCP, não foram as outras forças de Esquerda. Se me permite esta ousadia, tem de devolver a pergunta ao PS, que tem de explicar porque carga de água decidiu apoiar um Orçamento do Estado que desce 1% o IRC, que dá 1800 milhões de euros em benefícios aos grupos económicos, 1500 milhões de euros em parcerias público-privadas e em que mais de metade do orçamento do SNS é entregue aos grupos que fazem da doença o negócio. O PS vai ter de explicar isso. Da nossa parte estamos muito tranquilos, preocupados, mas tranquilos.
Durante o Congresso, falou em alguns erros de comunicação na passagem da mensagem do PCP em relação à guerra na Ucrânia. Não se nota uma mudança significativa no discurso. Vai mudar ou não?
Passados estes dois anos, podemos, infelizmente, constatar que o PCP tinha razão. Uma coisa foi aquilo que caricaturaram da posição do PCP, outra coisa foi a posição que o PCP teve. Nós dissemos que os intervenientes na guerra não eram apenas Rússia e Ucrânia e está provado que não são. Dissemos que a guerra não tinha começado naquele dia 22 de fevereiro, tinha começado antes. Teve um aumento brutal da sua dimensão, mas não começou naquele dia. E dissemos uma outra coisa, talvez seja a coisa até mais importante daquilo que dissemos na altura, é que era preciso que todos nos empenhássemos no fim daquele processo de guerra. Dois anos depois, o que é que aconteceu? Uma parte significativa do mainstream achou que o caminho eram mais armas, mais mortos, mais destruição e chegámos a não sei quantos milhões de mortos e de feridos, não sabemos quantos são de um lado e do outro, chegámos a um país destruído, economias destruídas, não só as da Ucrânia e da Rússia, mas também as outras, por efeito dominó, para quê? Para chegarmos ao fim de dois anos e meio e qual vai ser o desfecho? Vai ser o desfecho que nós antecipámos há dois anos. Concentremo-nos todos na paz, assim evitamos uma destruição. O PCP, mais uma vez, infelizmente, tinha razão. Não digo isto com satisfação, sinceramente. Aquilo que se impõe neste momento é que todos nos mobilizemos, não para mais armas, não para mais guerra, não para mais destruição. Fico um bocadinho constrangido com a insensibilidade daqueles que acham e falam de forma leviana sobre a possibilidade de um confronto entre potências nucleares. Não sei se alguém está a perceber bem o que é que isso significa.
Portanto, não há saída para isto sem haver cedências territoriais.
Não, não. Não há saída para isto sem se sentarem à mesa os intervenientes na guerra. E os intervenientes são a Rússia, a NATO, os Estados Unidos, a União Europeia e a Ucrânia. Dois anos depois, está na cara que não há um desfecho militar para este processo. Tem de haver um desfecho político e negociado, o que podia ter acontecido há dois anos.
Olhemos para dentro do PCP, que desde 2020 perdeu cerca de dois mil militantes. As entradas, aparentemente, não compensaram as saídas. O que vai ser feito para recrutar e formar novos quadros?
Tivemos entre um congresso e outro cerca de cinco mil saídas, grosso modo, do partido, mais de 90% das quais, infelizmente, por questões de falecimentos. Não há como alterar isso, é a lei da vida a impor-se. O número de gente que entrou para o partido não compensou o número daqueles que saíram, em particular destes cerca de quatro mil por falecimento. Mas há um elemento que nos dá uma grande esperança. É que destes 3500 novos que entraram, grosso modo, 70% têm menos de 40 anos. Estamos no caminho certo.
Como é que estão as contas do PCP? Porque as subvenções têm baixado… Isso é uma ameaça à existência do partido?
As contas estão certas. Sinceramente, orgulho-me muito disso. É um motivo de orgulho e um motivo de independência política e ideológica do PCP, porque 90% são receitas próprias. Isso significa o quê? Ao contrário de outros partidos. Contamos com um empenho extraordinário dos militantes do partido, dos seus amigos, dos eleitos.
O património do PCP é uma força também, nesse caso?
Claro, aliás, nós gerimos o nosso património como gostaríamos de gerir o país, com rigor, com transparência, com eficiência e ao serviço, neste caso, do partido, e se fosse do país, era ao serviço do país.