Líder do PSD não esclarece o que fará caso o PS ganhe sem maioria, levando o socialista a acusá-lo de alimentar um “tabu”. Só Pedro Nuno deixou reparo aos polícias que se manifestaram junto ao local do debate: “Não se negoceia sob coação”.
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Pedro Nuno Santos escolheu o debate com Luís Montenegro para fazer uma revelação: se a Aliança Democrática (AD) vencer as eleições sem maioria absoluta, o PS “não apresentará uma moção de rejeição” nem votará a favor caso algum partido o faça. O líder socialista arrancou o frente a frente a dar essa garantia - que, na prática, significa que o PS deixará a AD governar -, dizendo que o fazia por “humildade democrática”. O presidente do PSD, pelo contrário, não esclareceu se viabilizará um governo minoritário do PS, limitando-se a garantir que dialogará “com todos os partidos” em caso de vitória. Pedro Nuno aproveitou para acusar Montenegro de alimentar um “tabu”.
Além da questão da governabilidade, o outro tema que marcou o debate ocorreu ainda antes de se ligarem as câmaras: lá fora, junto ao Cineteatro Capitólio, em Lisboa - onde decorreu o frente a frente -, centenas de polícias juntaram-se de forma espontânea, vindos de uma manifestação marcada para a Praça do Comércio. Cantaram o hino, gritaram “vergonha” e pediram “respeito”.
A primeira pergunta do debate foi sobre esse episódio, tendo Pedro Nuno e Montenegro optado por responder de modo diferente: ainda que ambos tenham aberto a porta a negociações com PSP e GNR - que exigem um suplemento igual ao dado à Polícia Judiciária -, só o socialista deixou um “lamento” sobre a forma como o protesto decorreu.
“Não se negoceia sob coação”, avisou Pedro Nuno, a propósito da manifestação não autorizada. Frisou que, da mesma forma que respeita o direito ao protesto, também exige que outros respeitem o direito “ao debate político democrático”.
Estes dois momentos iniciais - respostas sobre governabilidade e sobre o protesto da Polícia - fizeram Pedro Nuno Santos ganhar algum balanço, num momento em que Montenegro ainda procurava encontrar o melhor ritmo. Se, em alguns dos debates anteriores, o socialista tinha parecido mais preso, ontem conseguiu soltar-se e mostrar um pouco do “velho” Pedro Nuno - mais confiante e ligeiramente provocador. O social-democrata, pelo contrário, vinha numa dinâmica positiva, mas não teve ontem a sua melhor prestação.
De passos a sócrates
“Queria deixar desde já claro que o PS não apresentará uma moção de rejeição nem viabilizará uma moção de rejeição se houver uma vitória da AD”, afirmou Pedro Nuno Santos. No entanto, questionado sobre se viabilizará o primeiro Orçamento do Estado da coligação de Direita, respondeu que fazer um “negócio” sobre um documento “que não é conhecido” seria fazer “o pior serviço à democracia”.
A posição de Pedro Nuno sobre um governo minoritário da AD representa uma ligeira inflexão no que o próprio vinha dizendo. Em dezembro, quando disputava as eleições do PS, afirmou, em entrevista ao JN, que “qualquer solução que comprometa PS e PSD com a governação é negativa”, já que faria do Chega o único “escape” do descontentamento. Nos Açores, também se opôs à viabilização de um governo AD.
Um dos momentos em que Montenegro teve ascendente sobre Pedro Nuno ocorreu quando o socialista provocou o rival, dizendo que este fica tão incomodado com o legado de Passos Coelho que nem o convidou para a Convenção da AD. Montenegro perguntou se José Sócrates estará na campanha do PS, levando Pedro Nuno a hesitar e a responder, simplesmente, que Sócrates já não está no partido.
Da saúde à habitação, os líderes de PS e PSD mostraram as suas diferenças (ver ao lado). Sobre o aeroporto de Lisboa, ambos se comprometeram a procurar soluções de consenso.
Por temas
A troca de acusações atirou o debate para o passado, com memórias de governos anteriores, como os de Sócrates e Passos Coelho. E Carlos Moedas também foi apanhado no fogo cruzado. Carla Soares
Pensões
Sócrates, troika e as “cambalhotas” de Montenegro
Montenegro usou Sócrates como arma de arremesso, recordando que em 2010 “congelou as pensões, incluindo as mínimas”, e que foi o PS “quem chamou a troika”. Daí, saltou logo até 2022 para acusar o Governo socialista de “cortar milhões de euros ao sistema de pensões”, retomando uma polémica já desmentida pelo PS. “Nenhum pensionista perdeu pensão. Insiste na mentira”, acusou Pedro Nuno. E recordou que Passos foi “além da troika”. O candidato da AD prometeu uma atualização maior nas pensões mais baixas e um rendimento mensal no final da legislatura de 820 euros, enquanto o PS o acusou de dar “cambalhotas sobre o tema” e garantiu, por sua vez, aumentos nas pensões mais baixas nos períodos de baixa inflação.
Saúde
Do “complexo ideológico” ao regresso das PPP
O líder socialista insistiu não ter nenhum “dogma” em relação a parcerias público-privadas nos hospitais, mas Montenegro criticou o “complexo ideológico” da geringonça. “Os recursos do Estado devem, em primeiro lugar, ser investidos no SNS”, defendeu Pedro Nuno Santos, acusando a AD de querer “descapitalizar” e “desnatar” o sistema, “dando mais receita aos privados” para “tirarem mais médicos ao SNS”. O líder do PS defendeu que prefere “dar autonomia às administrações hospitalares porque farão melhor trabalho do que as PPP”. Já Montenegro admitiu o regresso das PPP em Braga e Loures. E afirmou que, durante a governação socialista, foram inaugurados nos últimos anos 32 hospitais privados e “zero” hospitais públicos.
Salários e impostos
“Aventura fiscal”, mais salário médio e valorizar carreiras
Montenegro saiu em defesa da sua proposta de salário médio de 1750 euros até 2030, com um crescimento económico mais ambicioso e uma política fiscal “mais agressiva para atrair grandes empresas”. Pedro Nuno Santos contrapôs que tem aquela meta para 2027. Quanto à redução de impostos, ambos entraram numa guerra de números. O líder do PS acusou o presidente do PSD de propor uma “aventura fiscal” que implica “um rombo nas contas públicas na ordem dos 16 mil milhões de euros”, que Montenegro desmentiu. A AD prometeu ainda a atualização dos salários da Função Pública todos os anos, de acordo com a taxa da inflação, e Pedro Nuno Santos prometeu negociar para continuar a valorizar as carreiras.
Habitação
A promessa falhada e a crítica a Carlos Moedas
Montenegro aproveitou que o adversário foi ministro da Habitação para acusá-lo de falhar nas promessas, desde logo naquela que fez em 2018 de que, nos 50 anos do 25 de Abril, não haveria portugueses sem acesso a habitação digna. “Falhou!”, apontou o candidato da AD, que promete uma média de 50 mil novas casas por ano no mercado. Pedro Nuno Santos defendeu que é um “problema europeu” e que “não há balas de prata”. Recordou igualmente que o aumento do parque público “demora a apresentar resultados”. E aproveitou para acusar autarquias do PSD de apresentarem as casas construídas pelo Governo “como obra sua”, dando o exemplo de Lisboa, que tem como presidente o social-democrata Carlos Moedas.