Chega: o desafio é agora concretizar populismo e ruído em iniciativas reais, dizem os politólogos ouvidos pelo JN. Votação expressiva na nova Direita é a primeira revolta eleitoral contra o sistema desde a transição democrática.
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O Chega teve 67 826 votos em 2019 (1,29% do total nacional, o que lhe deu um só deputado) e alcançou agora 385 559 eleitores (7,15%, 12 deputados). Um aumento mais do que extraordinário: o partido da Direita radical de André Ventura quase sextuplicou a sua votação. Cresceu 468%.
A Iniciativa Liberal teve nas anteriores eleições, as primeiras a que concorreu, 67 681 votos (1,29%, um deputado) e nas eleições de domingo chegou aos 268 414 votos (4,98% e 8 deputados). Quase se quadruplicou, crescendo 297%.
O que explica estes dados nada menos do que espetaculares para o inaudito espectro da nova Direita portuguesa? A polarização entre partidos de Esquerda e Direita, a radicalização dos discursos e o voto de protesto - é o que entendem três politólogos ouvidos pelo JN.
Entre a queda abrupta da Direita tradicional (PSD e CDS-PP), houve uma hecatombe no partido de Rodrigues dos Santos, que desapareceu do Parlamento e reforçou CH e IL. Dados do embaraço: o CDS teve no país todo 86 578 votos, o que é menos do que a IL teve só em Lisboa (93 341) ou o CH também só na capital (91 889).
A "revolta eleitoral"
"Os partidos também se suicidam. Foi o caso do CDS", diz o politólogo António Costa Pinto. "A transferência de votos da Direita tradicional para o CH e a IL é muito evidente e houve aqui um voto de protesto muito audível de antigos eleitores do PSD e do CDS, que não viam nestes partidos capacidade de governar". E acrescenta: "A fragmentação atingiu em força a Direita. Portugal desconhecia até agora, e desde a transição democrática, revoltas eleitorais contra o sistema. Esta é a primeira e é bastante visível".
Mas os dois partidos, IL e CH, não são iguais. "A IL consagra-se agora como o novo Bloco de Esquerda da Direita", diz Costa Pinto, "é um partido que atrai mais jovens, urbanos e sensíveis ao discurso do liberalismo. É mais litoral e de centros urbanos, que quer uma nova relação entre o Estado e a sociedade civil a partir da matriz dos impostos", diz Costa Pinto. "O CH, mais nacional, mais transversal, socialmente mais diversificado, é a Direita radical populista pura, que não tinha conseguido, até agora, ser politicamente ativa ou relevante".
Chega vai cansar mais?
A previsão de Patrícia Silva, politóloga e professora associada da Universidade de Aveiro, é que, agora, "o CH vai reforçar ainda mais a sua tónica populista", enquanto "a IL, que tem menos retórica e atraiu um eleitorado que não se revê ao centro, é menos populista e pode beneficiar de um programa claro com ideias concretas. Mas tem que as concretizar em projetos parlamentares válidos. Esse é também o desafio do CH: saberá sair do populismo e do seu ruído para concretizar iniciativas reais? Não o deve conseguir", diz. E manifesta curiosidade: "Como é que um partido como o CH, que se diz antissistema, se comportará dentro do sistema?".
Miguel Rodrigues, politólogo e professor de Ciência Política na Universidade do Minho, diz: "O voto de protesto à Direita foi muito claro. O CH foi buscar votos a todo o lado, sobretudo ao interior. A IL é um partido de massas urbanas, com um eleitorado natural, que ocupou um espaço vago, o espaço liberal dos costumes e da economia, que ficou deserto no vazio do CDS". Para o politólogo, "o CH, com a sua radicalização, pode cansar mais depressa, como na segunda semana de debates, e ser vítima do sucesso súbito. Para vingar agora, terá que fazer, fazer mais do que só dizer".
A mais nova, um dos mais velhos e um condenado entre os 12 eleitos do Chega
Deputados da Extrema-direita são virtuais desconhecidos. Alguns saíram do PSD e do CDS.
Rita Maria Cid Matias, eleita pelo círculo de Lisboa, é a deputada mais jovem dos 230 parlamentares do país: tem 23 anos. Única mulher entre os 12 eleitos do Chega (CH), é filha de Manuel Matias, assessor parlamentar de Ventura e ex-líder do Partido Pró-Vida/Cidadania e Democracia Cristã. Criou a Juventude Chega e é muito ativa nas redes sociais.
Entre o lote de virtuais desconhecidos da bancada do CH, o mais mediático, depois do presidente do partido, André Ventura (que ficou conhecido no PSD de Passos Coelho), será Filipe Melo. Mas não pelas melhores razões: eleito por Braga, onde preside à distrital, em 2020 foi acusado de xenofobia por Cibelli Pinheiro, então presidente da mesa da Assembleia Distrital do CH. Escreveu este comentário racista no Facebook: "Não vai ser uma brasileira a mandar nos destinos de um partido nacionalista, patriótico. Nunca, não permitirei". Filipe Melo, sobrinho do cónego Melo, consta da Lista Pública de Execuções do portal Citius. Foi identificado entre aqueles em que "não se conseguiu encontrar bens penhoráveis suficientes para pagar as dívidas". Foi condenado pelo Tribunal Judicial de Braga a pagar 80 493 euros na sequência dos processos de execução.
Os 12 do CH foram eleitos por Lisboa (Ventura, Rui Paulo Sousa, Pedro Pessanha e Rita Matias), Braga (Filipe Melo), Porto (Diogo Pacheco Amorim e Rui Afonso), Aveiro (Jorge Manuel de Valsassina), Setúbal (Bruno Nunes), Faro (Pedro Pinto), Leiria (Gabriel Mithá Ribeiro) e Santarém (Pedro Frazão). Este último é o vice do CH; será conhecido pelo seu polémico livro "O colonialismo nunca existiu".
Diogo Pacheco Amorim é o ideólogo do CH e o seu deputado mais velho (72 anos). Foi eleito no Porto, onde o CH somou 38 301 votos (sete vezes mais do que os 5003 de 2019). Amorim integrou o Movimento Democrático de Libertação de Portugal e o CDS (assessor de Freitas do Amaral, chefe de gabinete de Manuel Monteiro) e cofundou a Nova Democracia.
7,15% : 385 559 votos em todo o país dão ao Chega a melhor votação de sempre. Em 2019, teve 67 826 votos, correspondentes a 1,29%.
12: São 11 homens e uma mulher e fizeram o partido crescer de um deputado em 2019 para uma bancada parlamentar de 12 em 2022.
Iniciativa Liberal pode assumir real liderança da Oposição à Direita do PSD
Cotrim Figueiredo é o rosto do IL, um partido jovem, cheio de gestores, economistas e advogados.
Oito deputados (mais sete do que em 2019), entre três mulheres e cinco homens. A Iniciativa Liberal, um partido de índole clássico-liberal, fundado em 2017, defende a liberalização económica, política e social e está no espectro da Direita, onde regista um resultado de fortíssimo crescimento.
Mas, quem são os novos parlamentares deste partido de forte inserção urbana que concorreu às suas primeiras eleições somente em 2019 e elegeu apenas um deputado nas legislativas de há três anos?
João Cotrim Figueiredo, 60 anos, economista, é o presidente do partido e seu rosto. Foi eleito em Lisboa, juntamente com Carla Castro, 43 anos, economista, Rodrigo Saraiva, 45, consultor de comunicação, e Bernardo Blanco, 26, licenciado pela Católica Lisbon School of Business and Economics.
O Porto, onde a IL teve 50 359 votos e uma subida espetacular (14221 votos em 2019), elegeu-lhes dois deputados: Patrícia Gilvaz, 24 anos (é a segunda mais nova dos 230 deputados do país), licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, onde presidiu à Associação de Estudantes, e Carlos Guimarães Pinto, 38 anos, economista.
Os restantes eleitos deste partido jovem são: Rui Rocha, do círculo de Braga, licenciado em Direito, 51 anos (é o segundo mais velho da IL), e Joana Cordeiro, 37 anos, gestora de Marketing, eleita por Setúbal, região onde a IL somou 22 217 votos (cinco vezes mais do que os 4133 votos de 2019).
"A Iniciativa Liberal será o partido que pode assumir, com maior clarividência, a real liderança da Oposição à Direita do PSD", aponta-nos Miguel Rodrigues, politólogo e professor de Ciência Política na Universidade do Minho. "É um partido jovem, tem a sua ideologia bem definida em propostas e, além de identificar problemas, também propõe soluções - ao contrário, por exemplo, do Chega, que é mais populista e gosta de apontar problemas e culpados, mas não de propor soluções exequíveis, o que é socialmente mais preocupante". v
4,98%: mapa de calor da IL é claro: é um partido de forte implantação litoral (e nas ilhas). Lisboa é a sua zona mais expressiva (4 deputados).
8: Um só deputado em 2019, 8 em 2022. Entre cinco homens há três mulheres, o que dá à IL média feminina melhor que a do país (35%).